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Editorial: A Igreja como companhia de amigos

Por estes dias, em tempo de Páscoa, vemos como os discípulos percebem e acolhem o Evangelho e como se reúnem para formar a comunidade dos seguidores de Jesus, a Igreja. Há textos que continuam a ser um referencial para entender o discipulado, a comunhão, o compromisso fraternal, a partilha solidária, não como esforço, mas como mandamento, como consequência lógica do seguimento. Não podemos seguir Jesus se não for para O acolher, para O dar a conhecer, se não for para viver do mesmo jeito, com o mesmo sentido de entrega, serviço e amor.

Pese embora o foco na Jornada Mundial da Juventude, que se aproxima rapidamente, continuamos a respirar e a refletir sobre a sinodalidade da Igreja. O propósito do santo Padre tem a ver com aquela comunidade inicial, com a cumplicidade com Jesus, na oração, na reflexão da Palavra de Deus, na comunhão fraterna, na vivência da caridade.

“Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, toda a gente se enchia de temor. Todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um. Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava todos os dias o número dos que deviam salvar-se” (Atos 2, 42-47).

Meia dúzia de frases e que, no entanto, dizem tanto! Tomando a parte pelo todo, é possível que esta seja a melhor “cartilha” para os cristãos e para caracterizar a comunidade de Cristo, a Igreja, Seu Corpo, Povo de Deus que engloba Jesus, ao centro, e os discípulos, em diferentes etapas do caminho feito e/ou a fazer. Não é fácil, sabemo-lo bem, conjugar e harmonizar a comunhão, a unidade, com as diferenças e fragilidades de cada um, com a multiculturalidade de grupos eclesiais, povos e nações onde a fé se implanta, amadurece, cresce e caminha. Se o chão (social, cultural, económico e político) é diferente, é possível que o confronto com o Evangelho também divirja. Mas ainda assim, o mandamento de Jesus permanece válido para todos e em toda a parte: que todos sejam um. É nessa comunhão de amor, de acolhimento dos outros, com as suas idiossincrasias, que se constrói a Igreja, o povo de Deus.

Vale a pena recuperar algumas palavras do Papa Bento XVI, numa expressividade que nos convoca para a amizade, que se prolonga e aprofunda na eternidade, na intercessão e comunhão com os santos. Será fundamental “fazer a experiência da Igreja como de uma companhia de amigos na qual podem deveras confiar, próxima em todos os momentos e circunstâncias da vida, quer elas sejam alegres e gratificantes quer difíceis e obscuras, uma companhia que nunca nos abandonará nem sequer na hora da morte, porque tem em si a promessa da eternidade”.

O caminho faz-se caminhando e, como tem insistido o santo Padre, o Papa Francisco, é um caminho que se faz em conjunto, sinodal, rezando, deixando-se tocar pela graça de Deus, procurando o que une, enriquecendo-se com os dons e talentos dos outros, não anulando as diferenças, mas integrando-as, fazendo prevalecer a amizade, a compaixão e o serviço.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/22, n.º 4702, 19 de abril de 2023

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