Regressemos a Lisboa. E ao início. O regresso ao início, às raízes, não se faz por puro saudosismo, mas nessa lógica de perceber as raízes, a identidade, onde podemos pousar os pés para caminhar com segurança, avaliando o caminho percorrido, a direção tomada, os desvios entretanto feitos, os atalhos, ou os ajustes ao caminho!
Quando falo em regressar a Lisboa, é àquela Lisboa que juntou mais de um milhão e meio de pessoas, na JMJ, no maior encontro da juventude, com a presença especial do santo Padre, o Papa Francisco.
Ressoam as expressões, os sorrisos, as palavras, os gestos, os encontros. Para muitos ver o Papa de perto e ser visto por ele era um desejo que os levou a Lisboa. O santo Padre, creio, não defraudou as expetativas, sempre muito empático, próximo e afável. De tudo quanto disse, e foi muito, foram fixados desafios, provocações, remetendo para Àquele Deus que Se fez tão próximo, tão próximo, que Se assumiu um de nós, ensinando-nos, em Cristo, a amar, cuidar e a servir.
Vale a pena revisitar as intervenções do Papa, sabendo-se que o que disse foi além do que deixou escrito. No discurso inaugural, no Centro Cultural de Belém, no encontro com as autoridades, sociedade civil e corpo diplomático, depois das saudações, o enquadramento da JMJ, o santo padre desafiou-nos a abrir horizontes. O próprio Oceano sugere o encontro com outros povos, a inclusão de pessoas oriundas de outros mares. “Lisboa, abraçada pelo oceano, oferece-nos motivos para esperar; é cidade da esperança. Há uma maré de jovens que se espraia sobre esta cidade acolhedora… Jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade, jovens que sonham desafiam-nos a realizar os seus sonhos bons. Não andam pelas ruas a gritar sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho, a esperança da vida”.
Imaginemos, convidou o Papa, três estaleiros de construção da esperança, onde possamos trabalhar em conjunto: o ambiente, o futuro e a fraternidade. Nada melhor que dar a palavra a Francisco:
– “O ambiente. Portugal partilha com a Europa muitos esforços exemplares na defesa da criação. Mas o problema global continua extremamente grave: os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que poluímos a nossa casa comum… O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós”.
– “O futuro são os jovens. Mas muitos fatores os desanimam, como a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar uma casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo. … É preciso retomar o diálogo ente jovens e idosos. A isto mesmo faz apelo o sentimento da saudade portuguesa, que exprime nostalgia, desejo dum bem ausente, que só renasce em contacto com as próprias raízes”.
– “O último estaleiro de esperança é o da fraternidade, que nós, cristãos, aprendemos do Senhor Jesus Cristo. Em muitas partes de Portugal, está ainda muito vivo o sentido de vizinhança e solidariedade. Contudo, no contexto geral duma globalização que nos aproxima mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado. … Também aqui servem de exemplo os jovens que nos levam, com o seu grito de paz e ânsia de vida, a derrubar as rígidas divisórias de pertença erguidas em nome de opiniões e crenças diversas”.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/47, n.º 4727, de 25 de outubro de 2023.