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Obras em casa arrendada: como agir?

Obras em Casa Arrendada: Quando o Senhorio Não Quer Intervir, Como Deve o Inquilino Agir?

Num país onde a habitação é, cada vez mais, uma questão social e política central, o arrendamento urbano surge como uma resposta inevitável para milhares de famílias portuguesas. A dificuldade de acesso ao crédito à habitação, o aumento constante dos preços no mercado imobiliário e a escassez de oferta pública tornam o mercado de arrendamento o principal refúgio para quem não tem casa própria. Mas este refúgio nem sempre é seguro — sobretudo quando o imóvel arrendado apresenta deficiências graves e o senhorio se recusa a intervir.

Apesar das sucessivas reformas legislativas no setor, o panorama do arrendamento continua marcado por um desequilíbrio estrutural entre inquilino e senhorio. A lei, é certo, protege ambas as partes, mas é muitas vezes na prática — e na morosidade do sistema — que se revela a fragilidade do arrendatário perante a inércia do proprietário. A situação torna-se particularmente delicada quando há problemas estruturais ou falhas técnicas no imóvel, e o senhorio se abstém de tomar medidas. A legislação portuguesa, nomeadamente o Código Civil (artigos 1031.º e 1074.º), impõe ao senhorio a obrigação de conservar o imóvel em condições adequadas para o fim a que se destina — neste caso, a habitação. Esta obrigação legal vai para além da mera cortesia contratual: trata-se de um dever jurídico, de natureza vinculativa. Não é, portanto, facultativo. A Lei n.º 6/2006, que regula o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), reforça este princípio ao sublinhar que o senhorio deve manter o prédio em bom estado de conservação e segurança, garantindo condições mínimas de salubridade, segurança e conforto.

E quando o senhorio não cumpre?

Perante infiltrações, humidades, ruturas, falhas elétricas ou quaisquer outros danos que coloquem em causa a habitabilidade do imóvel, o inquilino deve agir. O primeiro passo é formalizar a situação: comunicar por escrito — preferencialmente por carta registada com aviso de receção — ao senhorio, descrevendo os problemas detetados, solicitando intervenção e estabelecendo um prazo razoável para resposta. A informalidade, tantas vezes habitual, é inimiga da proteção legal. Tudo deve ser registado e documentado, porque o silêncio, muitas vezes, é o primeiro obstáculo a vencer.

Se o senhorio se mantiver inativo, a lei prevê soluções. Nos termos do artigo 1074.º, n.º 3 do Código Civil (CC), o arrendatário pode, perante obras urgentes ou inadiáveis, promovê-las por sua conta, tendo direito ao reembolso das despesas, desde que tenha notificado previamente o senhorio e que as obras sejam devidamente justificadas. Esta é uma exceção legal que exige bom senso e rigor: apenas em casos de urgência (por exemplo, risco de derrocada, curto-circuito, rutura de canalização) é recomendável seguir este caminho, sob pena de litígio futuro.

Outra via prevista é a redução da renda — proporcional à perda de funcionalidade ou salubridade da casa — conforme consagrado no artigo 1040.º do CC. Em casos extremos, se as condições forem tão degradadas que inviabilizem a permanência na habitação, o inquilino pode invocar justa causa para resolver o contrato, como previsto no artigo 1083.º. Esta decisão, no entanto, não deve ser tomada de forma precipitada, sobretudo quando não há alternativa habitacional imediata.

Por outro lado, o senhorio tem também direitos e deveres que não devem ser esquecidos. Muitos proprietários sentem que são frequentemente penalizados por um sistema que lhes exige responsabilidade sem oferecer incentivos. É verdade que, nalguns casos, o arrendamento pode representar um esforço financeiro para quem depende da renda como complemento de pensão ou rendimento mensal. No entanto, essa realidade não deve servir de desculpa para a negligência. Um contrato de arrendamento é um compromisso entre partes e deve ser honrado na totalidade: o inquilino paga a renda; o senhorio garante a habitabilidade.

Um problema recorrente é a falta de fiscalização eficaz. Muitos municípios não dispõem de recursos humanos ou técnicos para intervir rapidamente. Ainda que exista a possibilidade legal de denúncia à câmara municipal — que, em teoria, pode ordenar obras coercivas ou aplicar coimas ao senhorio —, na prática, o tempo de resposta é lento e, por vezes, ineficaz. Também os Julgados de Paz ou o Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) têm competências limitadas neste tipo de conflitos, obrigando o inquilino a recorrer a tribunal, com todos os custos e demoras associadas.

Não menos preocupante é o silêncio social em torno destas situações. Habitar uma casa sem condições é, muitas vezes, um problema invisível. Há vergonha, resignação e um sentimento de impotência. Muitos inquilinos não conhecem os seus direitos ou têm receio de os reivindicar, por medo de represálias ou de ver o contrato não renovado. A precariedade habitacional não se faz apenas de falta de casas, mas também de casas degradadas onde as pessoas vivem porque não têm escolha. Num mercado de arrendamento cada vez mais exigente, não é aceitável que senhorios vejam o imóvel apenas como fonte de rendimento e não como uma responsabilidade contínua. Tal como se exige ao inquilino o cumprimento pontual da renda, deve exigirse ao senhorio o cumprimento rigoroso do dever de conservação. O direito à habitação com dignidade não é uma aspiração utópica — é um direito constitucional. E a Constituição não se suspende à porta da casa arrendada.

É tempo de encarar a habitação como um bem essencial, e não como um mero investimento. Uma casa é, antes de mais, o lugar onde alguém vive a sua vida, onde cria os filhos, onde adormece e acorda todos os dias. É, por isso, dever de todos — inquilinos, senhorios e Estado — garantir que essa casa é digna, segura e habitável.


Patrícia Maravilha, in Voz de Lamego, ano 95/27, n.º 4804, de 21 de maio 2025

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