HomeDestaquesE se fossem os teus?

Há alguns anos, não sei precisar, surgiu uma rubrica, num dos canais de televisão generalista, com o título “E se fosses tu?”. O programa colocava em debate vários temas, confrontando as pessoas sobre um determinado assunto, como o viam, ao nível da reflexão, e como se sentiriam se fossem tratados da mesma forma que determinada pessoa. Obviamente, não é o mesmo discutir um assunto, por mais polémico que seja, com entusiasmo e até furor, e depois viver uma situação idêntica na própria pele ou na pele de familiares e amigos.

Colocar-se no lugar do outro!

Nunca é fácil. Melhor, não é possível. Nem dois irmãos gémeos (verdadeiros). O tempo de um e do outro não é o mesmo. O espaço de uma pessoa não é o espaço da outra. A pessoa é um mundo inteiro a desvendar, é um mistério. Somos diferentes. Sentimos as coisas de maneira diferente. Parafraseando Tolstói, cada um sofre à sua maneira. É possível que as alegrias sejam similares. A tristeza é única e irrepetível, pode ser partilhada pelo conforto das palavras, da presença, do abraço, mas não se pode trocar, passar para outra pessoa. Em todo o caso, é um esforço que deveremos fazer.

Colocar-nos no lugar do outro!

Tentar ver do mesmo ângulo, ver o que o preocupa, o que o desgosta, o que o faz sofrer, o porquê de se sentir assim ou a razão de reagir desta ou daqueloutra forma. Um ponto de vista é sempre a vista de um ponto. Já é uma máxima. Essa inevitabilidade é também um aviso, que nos faz reconhecer os nossos limites, ao nível do tempo e do espaço, da inteligência e do conhecimento, mas que não nos deve impedir nos colocarmos na pele do outro, para vermos a partir do que ele vê. Para os cristãos é uma obrigação. Por mais que doa! Não uma imposição, exterior e violenta, mas uma obrigação voluntária. Obrigámo-nos a imitar Jesus e agir do mesmo modo que Ele. É uma questão de empatia! Mais, é uma questão de amor! Mais, uma questão de identidade. Humana e cultural, mas se o não forem, é uma questão de identidade cristã. O cristão sabe que, seguindo Jesus, imitando-O, terá que tratar a todos como senhores, não como servos. Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos. É a opção de Jesus que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos. Ele, que era de condição divina, não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas humilhou-se a Si mesmo, obedecendo até à morte e morte de Cruz. No cenário da Última Ceia, Jesus prostra-se diante dos discípulos e lava-lhes os pés. É a identidade do servo. Um pai pode lavar os pés aos filhos, pequeninos, ou um filho lavar os pés ao pai, mas alguém que é senhor não se sujeita a tal, são os servos que têm essa missão, essa obrigação. Jesus, o Mestre e Senhor, mostra como se faz! Se Ele o faz, que somos nós mais do que Ele para não o fazer também? Será o discípulo maior que o Mestre? Será o servo maior que o seu Senhor?

Ver-se no lugar do outro.

Num mundo em convulsão, como é que podemos colocar-nos no lugar do outro? E se fosses tu? E se fossem os teus a estar envolvidos, implicados, se fossem os teus as vítimas? E se fossem os teus os agressores? Colocas-te do lado dos israelitas, que foram barbaramente atacados, ou do lado dos palestinianos, tantos que só querem viver e proteger os seus familiares e os seus bens? Colocas-te do lado dos imigrantes que procuram melhores condições de vida ou do lado de quem os agride, os explora e os expulsa, ou os impede de melhorar as suas vidas? E como queríamos que os nossos fossem tratados em outros países? Da mesma forma que queremos tratar os que chegam?

Colocar-se no lugar da vítima! Não é fácil, mas gera uma empatia maior. E bem. E sabe-nos bem. E, como portugueses, sabemos sê-lo, generosa e solidariamente. Vejam-se os incêndios!

Perante mais uma catástrofe, logo se levantam mil vozes, rápidas, taxativas, exaltadas… haviam de apanhar os culpados, prendê-los a uma árvore e fazer-lhes o mesmo, queimá-los! Há momentos que é muito difícil calar a revolta! É compreensível! Mas se o incendiário fosse o teu filho? Ou a tua mãe?


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/43, n.º 4771, de 25 de setembro de 2024.

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