Entre os sofrimentos e as alegrias, entre a dor e a esperança, assim se faz a vida. A inevitabilidade do sofrimento decorre da nossa condição finita, mortal, frágil. Somos um emaranhado de vida, simples e complexa, cuja a inteligência e vontade almejam por mais vida, plena, livre, com sentido, duradoura, infinita, mas pelo meio, no hiato que vai do nascimento à morte, fazemos a experiência da morte, da doença, das limitações, do choro e da perda, dos sonhos desfeitos e das expetativas goradas. Vamos à luta. Só mais uma vez. Célebre, a propósito, a canção de Rui Veloso, as Regras da Sensatez, com a qual sintonizamos, insistimos e voltamos, por vezes, ao mesmo lugar, e dizemos para nós mesmos que é só mais uma vez! E nem sempre nos saímos bem. Mas enquanto vivemos é bem melhor que o olhar seja envolvido pela esperança e por uma esperança que não esmoreça, tendo garantias de eternidade, e essas só em Deus as podemos encontrar.
O tempo que passa apresenta-se tenebroso, não fosse a pandemia, a fome e a miséria em tantas nações do mundo, ultimamente multiplicaram-se as situações de guerra.
Na JMJ, o santo Padre, no encontro com os jovens universitários, na Universidade Católica, acentuou duas palavras: procurai e arriscai. E prosseguiu, dizendo: “Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo… A autopreservação é uma tentação, é um reflexo condicionado pelo medo… tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: substituí os medos pelos sonhos, não sejais administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!”
Abracemos o risco, não estamos no fim, não estamos em agonia, mas no parto, na esperança da novidade que nos cabe acolher, viver e testemunhar, para que outros vislumbrem a luz, a paz, e o amor, no caminho que percorremos, não sozinhos, mas juntos, sabendo que Ele, o Deus da Compaixão, segue connosco e entrará em nossa casa, no nosso coração, e sentar-se-á connosco, fazendo-Se pão para nos saciar a sede e nos alimentar com palavras que nos fazem sair ao encontro dos outros, contruindo a fraternidade.
Ao aproximar-se do final da sua vida histórica, Jesus alerta os Seus discípulos: «Haveis de chorar e lamentar-vos, mas o mundo alegrar-se-á; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza tornar-se-á alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora. Mas, quando nasce a criança, já não se lembra da tribulação, pela alegria de ter nascido um homem para o mundo. Assim também vós agora sentis tristeza, mas Eu hei de ver-vos de novo, e o vosso coração alegrar-se-á, e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16, 20-23). O convite de Jesus, usando a imagem do parto, doloroso, aponta para a frente, garantindo que o sofrimento é passageiro e não deve ofuscar-nos de viver, de nos comprometermos em aliviar o sofrimento dos irmãos. Por vezes é inevitável, mas também os momentos dolorosos havemos de preencher e iluminar com a esperança e com o amor, para que não (nos) vençam!
Dirigindo-se aos romanos, diz-lhes são Paulo: “Penso, de facto, que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há de ser revelada em nós…. Sabemos que a criação inteira geme e sofre até ao presente com as dores do parto. E não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente, por aguardarmos ansiosamente receber o estatuto de filhos, a redenção do nosso corpo. De facto, foi na esperança que fomos salvos” (Rom 8-18-24).
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/01, n.º 4729, de 8 de novembro de 2023.