José Luís Martín Descalzo, sacerdote espanhol, decidiu escrever sobre a vida de Jesus, porque, entendeu ele, um escritor cristão tem mesmo de escrever um livro acerca do Salvador.
O autor preparou-se durante longo tempo, leu dezenas de obras e, embora confesse que nunca se está preparado para escrever sobre o Messias, achou que devia empreender esta tarefa.
O resultado é uma obra magnífica.
A par da narração da vida do Senhor, temos interpretações, explicações, formulação de hipóteses relativamente aos aspetos menos claros e estabelecimento de relações com a vida de todos nós, o que nos leva a compreender muito melhor a vida e a missão de Jesus.
Seguindo de perto os Evangelhos (o autor escreve mesmo que “este livro deveria ser lido sempre com um evangelho ao lado”), esta obra procura ajudar-nos a responder, com conhecimento de causa, às seguintes perguntas: Quem é Jesus? Que importância tem Ele nas nossas vidas? Que temos nós feito d’ Ele?
Apresentamos, de seguida, alguns exemplos, de modo a dar uma ideia da riqueza espiritual deste livro.
Comecemos com as belíssimas palavras com que nos fala da jovem Maria, dizendo que ela “esperava [o Messias] sem desesperar”, sabendo que, “simplesmente pelo facto de Ele vir – mesmo que continuassem escravos e pobres – o mundo já teria mudado”. Assim, “não a afligiam as trevas; sonhava com a luz. As trevas, quando Ele chegasse, dissipar-se-iam por si mesmas. E, enquanto Ele não vinha, alimentava a sua esperança com a luz que já tinham: a luz da palavra de Deus, as profecias, os salmos”. Que maravilhoso exemplo de vida!
Quanto ao batismo de Jesus, o autor propõe uma explicação para o significado deste ato: “não tinha pecados pessoais a lavar, mas começava a lavar os pecados do mundo. Não o fazia para nos dar o exemplo: fazia-o em nosso lugar. Era nada menos que o começo da grande batalha que concluiria numa cruz e num sepulcro vazio”.
As tentações que Jesus sofreu e que aparecem sintetizadas logo no início da Sua vida pública são igualmente analisadas e mostram-nos que “Satanás não propõe a Cristo que escolha entre o bem e o mal, mas simplesmente entre o bem como é querido por Deus e outros aparentes bens de feitura e categoria humanas”. Sim, tal como hoje. Mas Jesus vence as tentações porque “sabe que só com o pão não se consegue o amor, mas que, com o amor, se conseguirá a justa distribuição dos bens materiais”; sabe que o poder corrompe e sabe que um Messias poderoso e milagreiro não cumpriria a Sua missão, que era “a de mostrar o amor de Deus na realidade concreta”.
E a “realidade concreta”, como é óbvio, inclui imperfeições, por vezes profundíssimas. Jesus sabia isso muito bem; conhecia a tendência da humanidade para o mal e a sua necessidade de perdão, mas nunca considerou a hipótese de abandonar as pessoas, confiou sempre na possibilidade de serem salvas, amou-as, sofreu com elas, ajudou-as. Vale a pena atentarmos na citação que se segue: “É próprio de todos os génios absorverem-se de tal modo na sua tarefa que chegam a ignorar quem os rodeia. Olham tanto para o alto que pisam pelo caminho as formigas. Não aconteceu assim com Jesus. Vem, expressamente, para modificar o destino do mundo e preocupa-se em acariciar as crianças, em chorar os seus amigos e em que tenha comida quem O segue. […] Nunca ninguém esteve tão radicalmente com os homens. Com todos. Mas principalmente com os pobres e os oprimidos”.
No fim da narração, temos a oportunidade de recordar as consoladoras palavras com que termina o evangelho de S. Mateus: “E Eu estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos”. O autor refere que Jesus “vive na eucaristia; vive na Sua palavra; vive na comunidade; vive em cada crente; vive, inclusive, em cada homem que luta por amar e viver”.
E é esta certeza da presença de Jesus que devia levar-nos, como salienta o autor, a confiar plenamente n’ Ele e a ter permanentemente no rosto e nos olhos a alegria da ressurreição.
Margarida Dias, in Voz de Lamego, ano 94/24, n.º 4752, de 1 de maio 2024.