Em plena Semana Santa, que nos projeta e nos faz contemplar, por antecipação, a luz da Páscoa, ressurreição, vida nova, plenitude da graça e da salvação, eis um grito que se faz ouvir: salva-Te a ti e a nós também!
Numa primeira leitura, descontextualizado, poderíamos, facilmente, perceber que este grito é um pedido sincero, o reconhecimento humilde, por parte de quem o profere, de que sozinho não se safa e, portanto, precisa da ajuda de alguém. Por outro lado, parece um pedido inclusivo, não pede só para si, mas para todos os envolvidos, principalmente, Jesus e dos malfeitores, no qual se inclui o preponente.
Diante da Cruz de Jesus, no cenário da crucifixão e morte, afinal, vemos o sarcasmo e o cinismo, mas igualmente o egoísmo de quem está fixado em salvar a própria pele. E a tentação de Jesus poderia bem ser a de se salvar a Si mesmo desta hora tremenda.
Se recuarmos ao começo da Sua vida pública, e liturgicamente ao início da Quaresma, depois do Seu batismo, Jesus é impelido pelo Espírito Santo ao deserto, e durante quarenta dias e quarenta noites, faz jejum, no autodomínio de Si, mas sobretudo como compromisso de escuta do Pai e da Sua vontade. Nas horas, dias e meses seguintes, por certo, Jesus recorreu a esta paz experimentada, na tranquilidade da escuta, sintonizando com o coração do Pai. Durante o tempo de deserto, Jesus sentiu fome e foi tentado a agir em benefício próprio, usando o poder de Deus para se alimentar, usando o milagre e, nessa espetacularidade, convencer os judeus de que era o Messias. Há uma recusa clara! Jesus não Se vale da Sua igualdade com Deus, mas esvazia-Se de todo o poder para assumir a nossa fragilidade, carência e finitude. Quando for necessário curar, salvar, ressuscitar alguém, então aí, não hesitará, nem um segundo. Jesus não serve o poder, o Seu poder está no serviço, no perdão e no amor.
Um dos malfeitores crucificado desafia-O a salvar-Se e a livrá-los daquela hora e daquele sofrimento atroz. Este malfeitor, fá-lo num tom jocoso, blasfemando, escarnecendo do facto de Jesus Se assumir como Filho de Deus. Do outro lado, o outro malfeitor clama, humildemente: «Jesus, recorda-te de mim quando fores para o teu reino». A resposta de Jesus, como em tantas situações, vai de encontro ao pedido: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso» (Lc 23, 42-43).
Um pouco antes, os chefes do povo e os soldados invetivavam Jesus: «Salvou outros, que se salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o eleito!… Se Tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!» (Lc 23, 35-37). De fora ficariam as palavras de Jesus: quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á e quem perder a vida por minha causa e por causa do Evangelho ganhá-la-á, no tempo presente e, sobretudo, para a eternidade. Quem se resguarda, perde-se e desbarata dons e talentos, desbarata o próprio tempo. Quem se gasta, usando positivamente os dons e os talentos, ganha a vida, pois dá utilidade ao que é e ao que tem.
Salvar-se, salvar a própria pele, parece ser, nos dias que correm, a postura mais correta. Pensar em si e nos seus, os outros que se desenrasquem. Nem tudo é branco e preto! Por vezes parece que pessoas e grupos se fecham e procuram resguarda-se, pensando exclusivamente nos interesses pessoais ou grupais, esquecendo os demais. A atitude de Jesus é dar-Se inteiramente, não quer salvar a sua pele, quer salvar a humanidade inteira. Por amor.! Não Se esconde por detrás da Sua divindade, não se serve do “poder” que tem; coloca-Se, totalmente, ao serviço dos outros. Até à última gota de sangue, até ao último suspiro! Somente por amor, para que tenhamos vida e vida em abundância.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/20, n.º 4748, de 27 de março 2024.