1. Isabel II teve um longo reinado. João Paulo I teve um curto pontificado. A Rainha, que tanto durou, partiu no passado dia 8. O Papa, que tanto perdura, foi beatificado no pretérito dia 4.
Uma, no decurso de 70 anos, teve oportunidade de externalizar quem era. Mas o outro, em 33 escassos dias, não deixou de transluzir o que poderia vir a ser.
2. Nem sempre é necessário muito tempo para deixar marcas imperecíveis no tempo.
Quer Isabel II, quer João Paulo I marcaram a história e tornaram-se marcantes nas nossas vidas.
3. A Rainha, que o mundo seguiu durante décadas, não era muito dada a expor as sensações que experimentava.
Já o Papa, com que a humanidade se extasiou em pouco mais de um mês, não se preocupava com esconder as emoções que sentia.
4. É por isso que a Rainha raramente foi vista a sorrir ou a chorar.
Pelo contrário, o Papa a todos encantou com o seu sorriso. De tal modo que este até se tornou um traço identitário. Todos o conhecem — e estimam — como o «Papa do sorriso».
5. Nem a morte — tão prematura — extinguiu o perfume desse sorriso.
E quantas dores, amarguras e mágoas não se acoitariam por detrás desse sorriso? Não obstante, aromatizou os corações com esse sorriso franco, aberto, quiçá heróico.
6. Daí que aquiesça aos que defendem que quem nos oferece um sorriso como presente deveria ser logo canonizado.
Na verdade, é preciso aglomerar um grande fragor de santidade para — nas próprias situações de maior aperto — ser capaz de acolher os outros com um sorriso.
7. São estas as pessoas mais admiráveis, lisas e puras. São elas que nunca «fecham as portas» e rasgam sempre caminhos. Mesmo com a alma a sangrar.
Mais. Como vincou o Papa Francisco, «com um sorriso, João Paulo I conseguiu transmitir a bondade do Senhor».
8. O seu pontificado foi tão breve que talvez nem tenha tido tempo para chorar.
Mas certamente — embora nós não o tivéssemos advertido — também chorou. Até terá chorado, como sucede tantas vezes, enquanto (nos) sorria.
9. Acontece que a oferta de um sorriso — volto ao Papa Francisco — comove-nos «com um rosto sereno», que «não endurece os corações, que não se queixa nem guarda ressentimentos».
Por conseguinte, ainda que a sofrer e a chorar, não deixemos de sorrir. Até um sorriso sofrido e lacrimoso obtém um efeito maravilhoso.
10. Com a beatificação de João Paulo I, como que fica decretada a «canonização» do sorriso.
Mesmo quando a dor ameaça a alma partir, sejamos eternamente gratos a quem sabe abrigar, acalentar e… sorrir!
Pe. João António, in Voz de Lamego, ano 92/42, n.º 4673, 14 de setembro de 2022