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Sem sonhos não há futuro

A 28 de agosto de 1963, Martin Luther King, na célebre Marcha sobre Washington, profere um sonho para o futuro: “Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.

Eu tenho um sonho que um dia “todos os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas; os lugares mais acidentados se tornarão planícies e os lugares tortuosos se tornarão retos e a glória do Senhor será revelada e todos os seres a verão conjuntamente”.

Essa é a nossa esperança. …. Com essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia haveremos de ser livres. Esse será o dia, esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado”.

Um sonho, que apesar de tudo, se foi cumprindo, nos EUA como em outros lugares do mundo, com diversos muros a serem derrubados. Luther King foi assassinado com 39 anos, mas o seu sonho continuou a gerar frutos. De algum modo, a eleição de Barack Obama como Presidente dos EUA foi o culminar ou o coroar dessa luta, desse sonho de brancos e negros conviverem juntos e terem direitos iguais.

Os direitos não estão garantidos para sempre! Nos tempos que correm, vamos vendo como antigos e novos muros se levantam. A sadia convivência e uma sociedade justa e fraterna está longe de se concretizar solidamente. Uma floresta leva dezenas ou centenas de anos a formar-se. Um incêndio destrói-a em minutos ou horas. Um prédio de 25 andares demorará dois, três, quatro anos a construir, para destruir basta um instante. Uma amizade constrói-se ao longo de uma vida, uma palavra, um gesto, um momento de incompreensão, pode destrui-la em segundos. A evolução civilizacional, em que acreditamos, continua a excluir, a ostracizar, a matar. Tão evoluídos que somos e não conseguimos lidar com as diferenças nem respeitar a vida e os valores dos outros. Somos uma aldeia global, vizinhos pelos meios de comunicação social, pelas redes sociais, mas, como bem sublinhou Bento XVI, não somos (ainda) irmãos que se entreajudam. Caim continua a matar Abel e a destruir o sonho de um paraíso onde todos são de casa, irmãos e responsáveis uns pelos outros.

Regressemos, novamente, ao santo Padre, o Papa Francisco. O que diz aos jovens, vale para nós, para mim e para ti. “Não enterreis os talentos! Apostai em grandes ideais, aqueles ideais que dilatam o coração, aqueles ideais de serviço que fecundam vossos talentos. A vida não nos é dada para que a conservemos zelosamente para nós mesmos, mas nos é dada para que a doemos. Caros jovens, tende ânimo grande! Não tenhais medo de sonhar coisas grandes!”.

Noutro registo, a mesma provocação: “Jovens, não observeis a vida de uma varanda. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante de um ecrã. Tampouco vos deveis converter no triste espetáculo de um veículo abandonado. Não sejais automóveis estacionados, pelo contrário, deixai brotar os sonhos e tomai decisões. Arriscai, mesmo que vos equivoqueis. Não sobrevivais com a alma anestesiada nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei barulho! Deitai fora os medos que vos paralisam, para que não vos convertais em jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida! Abri a porta da gaiola e saí a voar! Por favor, não vos aposenteis antes de tempo”.

Era já este o sonho presente no conclave que o elegeu como Papa, preferindo uma Igreja acidentada, que sai, do que uma Igreja doente, com sabor a mofo, raquítica, por se enclausurar. Saí! Sonhai. Vivei. Cantai. Dançai. Não deixeis que vos roubem os sonhos! Não enterreis os vossos dons. Não sejais meros espetadores, mas agentes da história, comprometidos na construção de um mundo que se torne, efetivamente, casa para todos.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 95/19, n.º 4796, de 26 de março de 2025

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