Ao aproximarem-se os últimos dias da sua vida histórica, Jesus chora sobre a cidade de Jerusalém, dizendo: «Se também tu tivesses reconhecido neste dia aquilo que te conduz à paz! Mas agora está escondido dos teus olhos. Porque dias virão sobre ti em que os teus inimigos te rodearão de trincheiras, te cercarão e te apertarão de todo o lado; hão de aniquilar-te, e aos teus filhos contigo, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, dado que não reconheceste o tempo da tua visita» (Lc 19, 41-44).
Os tempos conturbados acentuam-se a passos vistos, a ameaça à paz alastra-se de uma forma assustadora, quase que temos que dar razão aos profetas da desgraça e aos “evangelistas” do demónio.
Com o mistério da encarnação, chega até o próprio Deus, no Seu filho Jesus, o Príncipe da Paz. N’Ele se cumpre a profecia de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres, enviou-me a proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a recuperação da vista, a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável do Senhor” (Lc 4, 18-19).
Jesus traz o poder de Deus, mas é um poder simultaneamente forte e frágil. Forte porque transforma qualquer pessoa que O acolha, frágil porque não se baseia na força, na prepotência, frágil porque não se impõe. O Seu poder é o Seu amor por nós. Vem para restaurar, redimir, salvar, congregar, para nos mostrar que a vida eterna se inicia connosco, aqui e agora, no mundo e na história. A lógica não é conquistar, destruir os mais fortes pelas armas, pela violência, mas a todos envolver com a Sua ternura e misericórdia. O amor faz-nos pedintes, peregrinos, benificiários da resposta dos outros. Já vistes como uma Mãe se sujeita a ser enxovalhada, escarnecida, até desprezada para conseguir o que pretende de melhor para um filho? É assim Deus, é assim Jesus, é assim o amor. Não se impõe, propõe-se e sujeita-se a ser acolhido ou a ser rejeitado.
«Disse-vos estas coisas para que em mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações. Mas tende coragem: Eu venci o mundo!» (Jo 16, 33). Esta á a garantia que Ele nos dá. Estará connosco até ao fim dos tempos. Jesus venceu o mal, como absoluto, como diabólico; com Ele também nós podemos vencer o egoísmo e o mal que nos circunda, ainda que continuemos sujeitos a muitas tribulações.
O que nos pode dar a paz? Devolver o centro a Deus. Vivemos ainda a semana de oração pela unidade dos cristãos e o sínodo sobre a sinodalidade, um e outro acontecimento falam-nos de oração e de trabalharmos em conjunto, com Jesus Cristo como ponto de chegada e de partida, como centro. O mal é, sempre, quando nós nos tornamos a medida da verdade, da justiça e da própria paz. Ou nos endeusamos e submetemos os outros, ou instrumentalizamos os outros para e enquanto nos servem. Para haver discussão e conflito, bastam duas pessoas. Mas há cura! Não é fatal! O amor que envolve o diálogo, o respeito que implica escuta, a comunhão que implica, ou pode implicar, colocar o outro em primeiro lugar. Não somos senhores, somos servos! Uns dos outros. O primeiro servo é Jesus. “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos» (Mc 10, 45). O santo Padre acaba de proclamar, durante a oração do Angelus deste Domingo, um Ano de Oração, para celebrarmos o Jubileu 2025: “Começamos hoje o ano da oração, isto é, um ano dedicado a descobrir o grande valor e a absoluta necessidade da oração, da oração na vida pessoal, na vida da Igreja, da oração no mundo… Um ano inteiro dedicado à oração. E que melhor mestra poderíamos ter do que a nossa Santa Mãe? Coloquemo-nos na sua escola: aprendamos com ela a viver cada dia, cada momento, cada ocupação com o olhar interior voltado para Jesus. Alegrias e dores, satisfações e problemas”.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/11, n.º 4739, de 24 de janeiro de 2024.