Relembrar a vida de quem já partiu para nunca esquecer
«O livro da vida é o livro supremo, que não podemos nem fechar nem abrir como queremos: gostaríamos de voltar à página em que amamos, e a página em que morremos está já sob os nossos dedos.»
Lembramo-nos da morte muitas vezes… quando parte alguém que nos é próximo, … quando acontece algo trágico. Por estes dias, lembramo-nos de todos os que já partiram, dos que estão para partir, projetamos a nossa própria partida. Visitamos o cemitério com um misto de saudade e angústia, não fossem eles locais de paz, introspeção, contemplação.
Como cristãos, a morte é uma passagem, não é um adeus, mas um até breve. A dor deveria ser uma saudade passageira, no entanto, há mortes que nos matam ainda antes da nossa hora. Nós, os vivos, não sabemos como é morrer, não sabemos o que está do lado de lá, ainda assim, sentimos uma vontade enorme em morrermos nós em vez dos outros. Talvez seja para ir com eles, ou de forma egoísta para não termos de passar pelo processo de perda, de saudade, de luto. Assusta-nos muito mais perder alguém do que irmos nós mesmos.
“A morte é uma coisa estranha. As pessoas vivem a vida inteira como se ela não existisse e, no entanto, ela é muitas vezes uma das principais motivações para se viver. Alguns de nós, com o tempo, tornamo-nos tão conscientes dela que passamos a viver com mais intensidade, mais obstinação, mais fúria. Outros precisam da sua presença constante para sequer terem consciência da sua antítese. Outros ainda vivem tão preocupados com a morte que se sentam na sala de espera muitos antes de ela ter anunciado a sua chegada. Receamo-la. Mas a maior parte de nós receia sobretudo que ela possa levar qualquer outro que não nós mesmos. Pois o maior temor em relação à morte é sempre que ela nos passe ao lado. E nos deixe sozinhos.” Ficar do lado de cá mergulhados num mar de saudade é difícil. A melhor forma de viver sem “aquele nosso pedaço” que de desprendeu é honrá-lo na sua ausência. Lembrá-lo com um sorriso, contar as suas histórias, fazer o que ele gostava, aprender com o seu exemplo e passar o testemunho a outros, porque a vida é como uma corrida de estafetas. Tivemos a graça de os ter connosco, não podemos deixá-los cair no esquecimento, porque essa sim, é a derradeira morte.
Raquel Assis, in Voz de Lamego, ano 93/48, n.º 4728, de 2 de novembro de 2023.