Aquando da Anunciação, Deus dá espaço a Maria. Ela pode recusar. O Anjo anuncia, clarifica e espera pela resposta da Virgem Maria.
Na perda e encontro de Jesus no Templo, apercebemo-nos como Maria e José Lhe dão espaço. Quando O encontram, Maria dá tempo para Jesus se explique. Depois não contesta nem protesta, pergunta, mostra a preocupação, aceita e medita nas palavras do Seu filho.
Nas bodas de Caná, Jesus pede espaço a Maria: Mulher que temos nós com isso, ainda não chegou a minha hora. Maria recua e deixa que Jesus Se mostre. Atenta, mostra a Jesus a situação, mas não lhe diz o que fazer. O mesmo acontece com os serventes, diz-lhes apenas para fazerem o que Ele disser. Deixamos de a ver. Retirou-se. Fez o que achou que deveria fazer e levou a sua constatação a Quem poderia fazer alguma coisa, confiando. Agora é com o Filho, que agirá se assim o entender e da forma como quiser.
Ao longo da vida pública de Jesus, Maria quase não é notada. Está presente nos momentos mais importantes da vida do Seu filho, mas na sombra, não damos conta dos seus passos. Estava nas Bodas de Caná, está junto à Cruz. Entregam-lhe o corpo morto do Seu filho. Ela está com o seu colo de mãe para mostrar fé, firmeza e confiança a Jesus, para animar e amparar as mulheres e os discípulos. Em modo de vigilância! Aguarda o reencontro com Jesus, ressuscitado. É indelével a sua presença, recuando para que nela e através dela possamos ver as maravilhas do Senhor. A minha alma engrandece o Senhor. Não é, entenda-se, no sublinhado de Bento XVI, Maria que engrandece Deus, ela deixa que a grandeza de Deus seja visível e se manifeste na sua vida.
Não é fácil dar espaço. Na pandemia, pudemos concluir a dificuldade em darmos espaço uns aos outros. Sabíamos que recuar, respeitar e dar espaço seria o caminho para prosseguir a vida, promovendo a saúde, a nossa e a dos outros.
Os pais em relação aos filhos, os professores em relação aos alunos… perdem, muitas vezes, a paciência, preferem fazer em vez deles do que ensinar uma e outra vez como se faz. Aquilo que para nós é fácil e evidente, faz-nos pensar que os mais novos não fazem por preguiça, porque não prestam atenção e/ou não se esforçam! Mais à frente, os filhos perderão a paciência a ensinar os pais, já idosos, a fazer o que lhes parece simples!
Deus recua e dá-nos espaço, para que vivamos e desenvolvamos os nossos talentos, tal como os pais que têm que dar espaço para que os filhos façam, descubram por eles as limitações, se magoem e se levantem. Em tudo isso, há sofrimento. Os pais substituiriam de bom grado os filhos nas adversidades, protegendo-os ao máximo. Podem dar conselhos, incentivar, fazer refletir, mas a decisão terá de ser deles. Contrariados pelos pais, acabarão por fazer à mesma! Por outro lado, os pais, se são os artífices de uma escolha para os filhos, serão responsabilizados se correr mal.
Precisamos de confiar mais uns nos outros. Recuar para dar espaço, não é o mesmo que recuar por preguiça, pelo descomprometimento, em tom de indiferença. Voltemos às Bodas de Caná, Maria recua, dá espaço, mas antes envolve Jesus e os serventes na resolução de um problema. Deus dá-nos espaço, mas, conforme promessa de Jesus, está sempre connosco, pelo Seu Espírito, até ao fim dos tempos. Confiemo-nos ao Seu amor, certos de que em todos os momentos vigia os nossos passos, amparando-nos.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/27, n.º 4707, 24 de maio 2023