1 – Eis que, por esta altura, os nossos lábios sonorizam abundantemente o verbo «recomeçar».
Parece que não atentamos tanto que um recomeço pressupõe um prévio final.
2 – Só voltamos a começar porque terminamos, interrompemos ou paramos. É o caso do ano escolar, das competições desportivas e até do ano pastoral e da catequese.
Afinal, apenas no início podemos falar de «começo». Depois, sucedem-se os «recomeços».
3 – Já Xavier Zubiri alertava que, na transcorrência do tempo, «a vida é uma sucessão de começos».
Fica implícito que a mesma vida pode ser também uma «sequência de finais».
4 – Alguns destes finais dão lugar a novos começos. Mas não é seguro que tal possa acontecer sempre.
Há empresas que fecham. Há atividades que encerram. Há empregos que são extintos. E até a nossa vida na terra se conclui.
5 – É claro que tudo é possível alterar. Em muitos casos, mais do que um fim, o que ocorre é uma transfiguração.
Efetivamente, há produtos que se reciclam, atividades que se redefinem, instituições que se reorganizam e até a vida se transforma.
6 – Para quem crê e como lembrou a mãe de São Sinforiano (século II), «a vida não acaba, apenas se transforma». Aqui, o recomeço cumpre-se na eternidade.
No tempo, porém, a sucessão de começos não é infindável. Haverá uma altura em que «o» fim chegará.
7 – Preocupante é que, muitas vezes, sejamos nós, humanos, a concorrer para antecipar esse fim.
As malfeitorias que provocamos na natureza e infligimos à própria humanidade indiciam que estamos a acelerar o passo para o desenlace.
8 – Como se não bastassem as doenças, os conflitos e a fome, desencadearam uma guerra que contém uma ameaça destruidora planetária.
9 – O recurso ao armamento nuclear — há meses impensável — não pode ser dado por excluído. E as consequências de um recurso tão desvairado abrigarão promessas de recomeços?
10 – E, no entanto, andamos quase anestesiados, como se nada nos pudesse atingir.
Por conseguinte, o melhor é pôr termo às guerras e eliminar o arsenal nuclear. É a única «janela aberta» que a vida nos oferece.
11 – Como aconselha o Papa Francisco, se ainda não tivermos aberto tal «janela», abramo-la «o quanto antes».
E «olhemos para o caminho». Só pela paz poderemos transitar nele. A caminho de novos recomeços!
Pe. João António, in Voz de Lamego, ano 92/44, n.º 4675, 28 de setembro de 2022