Temos dificuldade em aceitar imediatamente a correção que os outros nos fazem. É instintivo. Reagimos sobretudo quando achamos que percebemos, que estamos esclarecidos e que os outros não sabem mais do que nós e que dificilmente podem acrescentar algo de útil. O ideal é respirar fundo e perceber o que o outro nos está a dizer. Podemos aprender. Há sempre margem para aprendermos com os outros, pelo menos enquanto vivermos! Quem parte do pressuposto que sabe tudo, dificilmente está disponível para valorizar os outros e rapidamente se perderá nas suas certezas, fechando-se e colocando-se acima dos demais. É o caminho dos ditadores e dos ignorantes, ou melhor, de ignorantes com todas as características de se tornarem ditadores.
Para haver conflito basta haver duas pessoas. Entre duas pessoas, por mais concordes que sejam, haverá ocasiões em que a conflitualidade surja e a discussão seja mais do uma simples e amena conversa entre amigos! Quando as pessoas discutem partem da convicção de que têm razão. Por outro lado, pode não ter a ver com a discussão presente, mas com alguma animosidade anterior.
A escuta é curial, deixando que o outro se expresse clara e serenamente, sem interrupções, sem abafar a voz. Quando duas pessoas falam ao mesmo tempo, sem se escutarem, tendem a levantar a voz, como se algum deles fosse surdo. Na verdade, nesses momentos, não é o volume da voz que conta. Deixa de contar também o que o outro está a dizer, pois se atropelam mutuamente.
Do mesmo modo, na perspetiva da fé! Não sabemos tudo! É essencial a oração que escuta, que faz silêncio, que procura perceber os sinais de Deus, a Sua vontade. É fundamental a leitura pausada da Palavra de Deus, para que quando falarmos, estejamos bem sincronizados com as palavras inspiradas, escutando Deus através dos escritores sagrados e acolhendo as suas sensibilidades, a cultura da época e sobretudo a fé que se gravou nas palavras humanas e nos acontecimentos narrados.
Sublinha o papa Francisco: “Quando alguém tem resposta para todas as perguntas, demonstra que não está no bom caminho e é possível que seja um falso profeta, que usa a religião para seu benefício, ao serviço das próprias lucubrações psicológicas e mentais. Deus supera-nos infinitamente, é sempre uma surpresa e não somos nós que determinamos a circunstância histórica em que O encontramos, já que não dependem de nós o tempo, nem o lugar, nem a modalidade do encontro. Quem quer tudo claro e seguro, pretende dominar a transcendência de Deus” (Gaudete et exsultate, 41).
Muitas vezes, hoje como ontem, se usa o nome de Deus para os maiores impropérios. Em nome de Deus se exclui, se criam fronteiras, e em nome de Deus se mata. Quantas guerras foram engendradas em nome da religião. Quantas vezes se invocou o nome de Deus para silenciar, escravizar, explorar e matar?
Jesus mandou pregar o Evangelho, mas cabe-nos, mais do que ameaçar, propor a bondade, a ternura, a misericórdia de Deus, desafiando a caminhar juntos, contando com a fragilidade de todos e com todos comprometidos na aproximação a Jesus Cristo, caminho, verdade e vida. As portas que se abrem dão para entrar e para sair. Cabe-nos, a mim e a ti, transparecer e anunciar Jesus e, se a beleza é tanta, não é necessário qualquer tipo de ameaça. É uma questão de amor, quem ama não precisa de fazer chantagem, de usar de meias verdades, de deixar a pessoa amada em suspense, amedrontando-a com o que ela possa vir a fazer. Amar é criar espaço para que o outro possa ser! A fé é uma questão de amor, do amor que Deus nos tem e que queremos acolher em nossas vidas, deixando que nos transforme.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, Ano 93/43, n.º 4723, de 27 de setembro de 2023