O mundial de futebol tem sido uma belíssima oportunidade para falar dos Direitos Humanos Fundamentais, mas também para refletir sobre a nossa coerência ou incoerência face aos mesmos direitos.
No seu primeiro jogo, os jogadores da Alemanha taparam a boca. Com tal gesto quiseram assinalar como em muitos países as pessoas são amordaçadas, impedidas de se expressar livremente. Mas vejamos: porque é que os mesmos jogadores não se recusaram a participar no Mundial? Era tão mais provocatório! Era tão mais radical! E, sendo a seleção que é, do país que é, faria muito mais furor! Talvez outros jogadores aceitassem ir… mas não deixava de ser uma enorme provocação os melhores jogadores de uma das melhores seleções do mundo recusarem-se a ir ao Mundial! Talvez outras lhe seguissem o exemplo! O campeonato do mundo foi organizado no Qatar, não apenas pela teimosia da FIFA e interesses derivados, mas pelas várias federações de futebol, pelos diferentes países, pois se quisessem mesmo, o campeonato do mundo não se tinha realizado na Rússia, em 2018, nem estaria a decorrer no Qatar!
Mas vamos a outros enquadramentos! Uma das melhores equipas do mundo, ou pelo menos, com os jogadores mais bem pagos na Europa, o PSG, é propriedade de um empresário do Qatar e que agora também tem uma importante quota no S.C. de Braga! Na França ou em Portugal alguém se importou com os direitos humanos? Prevaleceu o poder económico!
Há dias, uma jovem de Tabuaço, ao abordar a questão do clima e das manifestações que se multiplicam, disse que não participaria nesses ajuntamentos, porque não estava disposta a assumir algumas posturas consequentes ao conteúdo da manifestação. Com efeito, dizia, se tiver que comprar um telemóvel, compro novo, não compro em segunda mão ou recondicionado; se tiver que comprar roupa, não compro em segunda mão, mas compro nova… então ia protestar quando não estou disposta a mudar estes comportamentos? Se comprasse roupa em segunda mão ou só comprasse um novo telemóvel apenas quando o atual deixasse de funcionar, optando por um recondicionado, então estaria a contribuir para diminuir os desperdícios, o consumo, a pegada ambiental… Contribuo de muitas maneiras, mas há muitas outras formas para o fazer. Porquê exigir aos outros, quando posso fazer muito mais?
O Qatar tem dado voz a pessoas que, verdadeiramente, estão proibidas de se expressar livremente. É uma boa oportunidade. Os iranianos, no Irão correm sérios riscos de ser presos, agredidos e até mortos por discordarem das opções estatais. No Qatar têm um excelente palco.
A nossa seleção está no Qatar, apoiamo-la à distância, e achamos bem que quem pode ir apoiá-la presencialmente vá, mormente os representantes máximos da nação. Onde é hasteada a Bandeira de Portugal e entoado o Hino, símbolos maiores no país, aí podem e devem estar os que nos representam…
Outras questões: quando compro roupa levo em linha de conta em que país foi produzida? Sei se nesses países se respeitam os direitos humanos? Bem sabemos, que há muita roupa e calçado que são produzidos à custa de exploração no trabalho e, muitas vezes, trabalho infantil! E quando compramos um telemóvel? Quantas pessoas foram exploradas? Há uns três anos, um telemóvel topo de gama, preço final acima dos 800 euros, tinha um custo de produção de 125 euros! Agora pense!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/04, n.º 4683, 30 de novembro de 2022