A figura de Pilatos é controversa. Ficou conhecido como o responsável por condenar Jesus. Ao longo dos séculos cresceram as histórias a seu respeito.
Pilatos é apresentado como alguém hesitante, assustado por uma multidão que acusa Jesus e pela obediência temorosa ao imperador romano (cf. Jo 18,28 – 19,16). Tenta agradar a gregos e a troianos. E isso nunca acaba bem. Hesita e muda de semblante conforme está diante de Jesus ou diante das autoridades dos judeus. Não estamos no lugar dele! Ainda bem! Se calhar não faríamos melhor! Se olharmos para todos os intervenientes, Pilatos parece o menos responsável pelo destino dado a Jesus. Por outro lado, a sua inação é afinal uma decisão que condena Jesus à morte. Não decidir, é decidir.
São Mateus diz-nos que “enquanto ele [Pilatos] estava sentado no tribunal, a sua mulher mandou dizer-lhe: ‘Não te envolvas na causa desse justo, pois hoje sofri muito num sonho por causa dele’” (Mt 27, 19). A perturbação da sua mulher, desafia Pilatos a não se imiscuir no destino de Jesus. Pilatos não quer ter sangue nas mãos, mas no final o sangue de Jesus é derramado porque ele assim o decidiu.
Por ocasião da Páscoa judaica, era habitual um indulto por parte da autoridade romana. Pilatos usa essa prerrogativa. No diálogo com Jesus, não encontra nele qualquer crime e propõe-se libertá-l’O. Mas, na verdade, o jogo estava viciado. Os líderes judaicos só têm um propósito e para isso servem-se também da multidão, um coro que dá jeito para muitas ocasiões. Este recurso pode entender-se como forma de demissão, pois assim não impõe a libertação de Jesus, ainda que declare a sua inocência. Uma sugestão ao abrigo da amnistia pascal! Pilatos deixa, desta forma, a decisão nas mãos da multidão instigada pelos chefes do povo. A multidão quer ver sangue a partir do momento em que alguém o sugere, o discernimento é o da emoção, da exaltação e da estupidez!
Há uma certa simpatia por Pilatos! Mera condescendência, pelo imbróglio em que se encontra, agradar aos judeus e ser fiel ao imperador. Em tantas situações da vida, não é possível ficar a meio do caminho. Há que fazer uma escolha. A vida não é linear, mas também não é diluível nas escolhas dos outros. Pode haver hesitações, dúvidas e erros, mas se não há escolha, não há caminho, perde-se uma das dimensões da pessoa humana, a sua liberdade conjugada com vontade. Pilatos fica ali. Nem para a esquerda nem para a direita! Bloqueou, não tem firmeza para decidir. É um líder maleável. Deixa-se enredar pelos judeus. Lava as mãos! Vã tentativa de passar a responsabilidade para aqueles que moveram o processo contra Jesus. Não quer ser o juiz, opta por se fazer passar por advogado. Não faz bem nem uma coisa nem outra. Jesus aponta para a verdade e Pilatos afasta-se novamente, já não está disponível para escutar. A agitação popular tem mais força.
Como no último editorial, deixamo-nos guiar pelas conversas de Timothy Radcliffe e Lukasz Popko, no livro “Perguntas de Deus, perguntas Deus”. “O diálogo com Pilatos é um encontro fracassado”. Pilatos ora está dentro ora fora, entre o diálogo com Jesus e os gritos da multidão. Esta não tem rosto nem nome. Ninguém procura a verdade. O veredicto já estava decidido. Pilatos “perguntou Àquele que é a Verdade ‘o que é a Verdade’ e a seguir foi-se embora… Ele simplesmente virou as costas e foi-se embora. É o pesadelo de um amor não cumprido… Como morrer, antes mesmo de começar a viver!”
Com efeito o não-envolvimento, a neutralidade não é viável durante muito tempo. “Juridicamente, não foi ele quem implorou pela morte de Jesus, mas colocar um homem nas mãos do seu inimigo torna-o moralmente responsável pela sua morte. Evitar responsabilidade não nos liberta da culpa”. A verdade nem sempre está no meio.
Escolhemos ou deixamos que os outros escolham por nós?
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/38, n.º 4766, de 21 de agosto de 2024.