“Portanto, diz Jesus, sede perfeitos como o vosso Pai celeste” (Mt 5, 48). A perfeição dita por Jesus não se refere a qualquer tipo de perfecionismo, mas de misericórdia e santidade. Este imperativo está inserido no Sermão da Montanha, no qual Jesus proclama as Bem-aventuranças, nos desafia a sermos sal da terra e luz do mundo, instituindo como plenitude da Lei a caridade, o perdão e o serviço ao outro, especialmente aos pobres, excluídos, aos pequenos do mundo. É neste contexto que Jesus aponta o ideal do compromisso e da fidelidade no amor, nos relacionamentos, no matrimónio. À lei de Talião, Jesus contrapõe o amor aos inimigos. Não se responde à violência com violência, mas, tanto quanto possível, à violência e perseguição, responde-se com oração, compreensão e mansidão, amando (até) os inimigos e rezando por aqueles que nos fazem mal. É também esse o mandato que perpassa na oração do Pai-nosso, através da qual nos reconhecemos irmãos, porque filhos do mesmo Pai e nos comprometemos no perdão e na partilha solidária, acolhendo a vontade de Deus e criando as condições para que o Seu reino de amor se realize no nosso mundo e na nossa vida. O ideal da perfeição é um propósito firme de imitar Jesus, amando, servindo, dando a vida. Aperfeiçoamo-nos na medida em que amamos mais, servimos melhor, nos tornamos santos.
Com a justificação da “perfeição”, muitas vezes, recusamos ajudar, fazer, comprometer-nos. As frases são conhecidas e compreende-se o propósito: quando me comprometo, tenho que fazer bem! Não tenho tempo para fazer como eu quero, então não faço! É uma tensão entre o serviço e a perfeição. Devemos fazer, sempre, o melhor que nos é possível e aperfeiçoar o que fazemos. Por conseguinte, para os grupos corais há ensaios e há formação; para as catequistas existem tempos de oração, de preparação e de estudo-formação; para os acólitos e para outros grupos paroquiais há momentos para preparar, aprofundar, rezar, saber o que se faz e porque se faz. Há momentos em que o essencial é estar, participar, ajudar. Nem tudo é perfeito? Nem tudo é do jeito que eu quero ou imaginei? Sim, mas se contribuo para que os outros celebrem melhor, vivam e sejam mais felizes, se sintam envolvidos e interpelados!!!
Uma catequista da comunidade de Tabuaço, de seu nome Eva (D. Evinha), relembrava, a cada passo, um princípio pastoral a levar a sério: em Igreja, importa muito mais que muitos façam pouco, do que poucos façam muito ou façam tudo. Nem sempre é fácil trabalhar em grupo e há pessoas que têm fobia em trabalhar em conjunto. “Prefiro fazer eu, pelo menos faço mais rápido e melhor!” Talvez, mas em que é que isso contribui para o crescimento da comunidade? Em Igreja, eu não faço coisas! Não trabalho para os outros, não vou executar uma tarefa, segundo as minhas competências, fazendo um brilharete e depois os outros que aplaudam e usufruam se quiserem! Não! Errado! Em Igreja caminhamos todos! Não se trata de executar uma tarefa na perfeição, de dar um concerto musical numa Missa, de enfeitar a Igreja de tal forma que as pessoas fiquem pasmadas a olhar para os arranjos e pouco mais, de preparar uma festa com rigor, com muitas dinâmicas, com atenção a cada pormenor… Sim, é importante e benemérito fazer o melhor, mas essencial mesmo é envolver o máximo de pessoas possível, chamar e comprometer outras, colocar-se ao serviço da comunidade onde, quando e conforme as necessidades! Já vi pessoas a irem para grupos corais sem terem muito jeito, mas se é preciso ajudar!!! Ou envergonhadas porque se lhes pede que vão proclamar uma leitura, mas vão, pois sabem que naquele momento é preciso! Se a tudo isto acrescentarmos, o que não deve ser acrescento, a fé, temos o ingrediente essencial e imprescindível!
Com conta, peso e medida… há cristãos que não fazem mais porque não podem! E, empenhados na comunidade, também não podem nem devem descurar a vida familiar e/ou profissional, pois também aí são chamados a ser cristãos! Por outro lado, como sublinhada muitas vezes o historiador da diocese de Lamego, Pe. Gonçalves da Costa, se queres alguém que te ajude vai ter com quem tem muito que fazer!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/40, n.º 4671, 31 de agosto de 2022