Haverá sempre um pedaço de pão e de sol, e de vida, a ofertar e a acolher.
Os pedaços evocam, pela proximidade, o lema do ano pastoral na Diocese de Lamego. De pedaço em pedaço, acolhendo os pedaços de pão e a abundância de alimento com que Jesus Cristo nos brinda, somos desafiados a partilhar com os irmãos, para que chegue a todos, pois essa é a verdadeira multiplicação, o verdadeiro milagre e a verdadeira abundância que nos reúne como povo de Deus.
A outra expressão, que intitula este editorial, é de uso constante do papa Francisco.
Absorvendo as duas expressões, colocamo-nos em duas dimensões complementares, a Igreja local e a Igreja universal. Dimensões traduzidas para fé, dimensão pessoal e dimensão comunitária! A fé que acolhemos é a mesma fé, como dom, é a fé de Cristo, a fé da Igreja, mas cada um, pela sua idiossincrasia, educação e cultura, ou pela situação concreta em que se encontra, acolhe e vive a fé à sua maneira. Contudo, para que a fé não seja mera superstição egoísta, precisa de amadurecer e ser verificada no seio da Igreja, na inserção à comunidade crente.
A fé, o amor e a vida cristã têm expressões concretas nos rostos e nas pessoas que vivem e se relacionam. Com efeito, a fé é verificável nas obras. Assim o dizia são Tiago: mostra-me a tua fé sem obras que eu, pelas obras, te mostrarei a fé. Do mesmo jeito o amor. Posso dizer que amo muito, mas tenho que o expressar pelo carinho, atenção, preocupação pela pessoa amada, pelo olhar ou sorriso, ajudando-a nesta tarefa, proporcionando-lhe aquele conforto que a faz sorrir, comunicando-o em palavras que lhe toquem o coração. A vida cristã não é abstrata, mas concreta. Quanto mais perto de Deus, mais comprometidos com o nosso semelhante.
Em diversos momentos, o Papa Francisco utiliza este termo: “Às vezes, esquecemo-nos que a nossa fé é concreta, o Verbo fez-se carne, não se fez ideia… As obras de misericórdia são concretas”. Com efeito, “esta é a fé em Jesus Cristo: um Jesus Cristo, um Deus concreto, que foi concebido no seio de Maria, nasceu em Belém, cresceu como criança, fugiu para o Egito, voltou para Nazaré e com o seu pai aprendeu a ler, a trabalhar, a ir em frente e depois a pregar”.
Noutra intervenção: “Ele [Jesus] sempre faz assim: fala pouco e as palavras são acompanhadas imediatamente por ações… O amor precisa de concretude. O amor que não é concreto não é forte, precisa de presença, de encontro, precisa de tempo e de espaço dados: não pode limitar-se a belas palavras, a imagens em uma tela, a selfies de um momento ou a mensagens precipitadas. São instrumentos úteis, mas não podem substituir-se à presença concreta”.
Se nos fixarmos no Evangelho, vemos aquela delicadeza concreta, próxima, afável de Jesus. Olha para a multidão e percebe aqueles rostos, como ovelhas sem pastor, e ensina-lhes muitas coisas (cfr. Mc 6, 30-34); olha e percebe aqueles corpos cansados e invita os discípulos a dar-lhes de comer (cf. Mt 14, 16; Jo 6, 1-15).
Jesus ensina a multidão, mas explica tudo aos discípulos quando estão a sós com Ele. Fala para todos, mas os discípulos estão na primeira fila, como na proclamação das Bem-aventuranças. A mesma concretude em tantas situações: a atenção a Jairo que vem para lhe falar da filha, no meio da multidão; ou a mulher com fluxo de sangue, que lhe toca no manto e, apesar da multidão que o aperta, Jesus sente-a; quando fica a sós com a mulher adúltera, depois de estar rodeado de acusadores; o encontro com Mateus, na sua banca e com Zaqueu escondido numa árvore; no alto da Cruz, quando responde ao bom ladrão, quando perdoa aos seus algozes, ou ao comprometer-se Maria e o discípulo amado…
Qual é a fé que professamos?
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/36, n.º 4764, de 31 de julho de 2024.