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Os pedaços da abundância e da fraternidade

O nosso Bispo, D. António, como tónica para o Ano pastoral, escolheu uma perícope do evangelho de são João: “Recolhei os pedaços que sobraram” (6,12). A multiplicação dos pães e dos peixes, entre outras coisas, aponta para a abundância com que Jesus nos desafia a partilhar e a ser irmãos. Vejamos: Jesus vê uma grande multidão que vinha ter com Ele e logo Ele vislumbra as necessidades das pessoas e procura dar-lhes o que necessitam. Antes de agir, Jesus vê as possibilidades, não faz nada sozinho, envolve os discípulos e a própria multidão, envolve-nos e conta com o que temos e com o que somos.

Nas últimas semanas, tenho proposto a leitura das intervenções do santo Padre na JMJ 2023 e, sem dispensarmos as importantes interpelações do nosso Bispo na sua carta pastoral à diocese, há tempo e lugar para relermos e aprofundarmos as palavras e os gestos do Papa Francisco.

Na cerimónia de acolhimento, o Papa sublinhava como Deus nos chama pelo nome, pelo que somos, aqui e agora, mesmo antes das qualidades e dos pecados, porque nos ama.

No episódio da multiplicação dos pães, Jesus desafia-nos a darmos o que temos, a comprometer-nos com o que somos capazes de dar e fazer pelos outros. Filipe, como vamos comprar pão para tanta gente? A questão de Filipe traz também a resposta e a preocupação: não há meios para saciar uma multidão destas. Ainda que fossem duzentos denários de pão não dariam para dar um pedaço a cada um. André também dá uma ajuda, mais para salientar a escassez do que para acrescentar possibilidades: «Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois pequenos peixes. Mas que é isto para tanta gente?». Jesus mostra que é possível multiplicar, acrescentando, e saciar em abundância. Depois da oração, vem a multiplicação e a partilha. Todos ficaram saciados e, para que nada se perca, recolhem 12 cestas com os pedaços de pão que sobraram.

Esta abundância é sinal e antecipação da Eucaristia, o pão que é o próprio Cristo, que se dá totalmente e que alimenta a nossa alma, mas também desafio à partilha. Se formos capazes de partilhar, pouco ou muito, há milagres que acontecem e mais pessoas, mais famílias serão saciadas.

No dia 4 de agosto, na Via-sacra com os jovens, o santo Padre foi claro: “Jesus é o Caminho e nós caminharemos com Ele, porque Ele caminha. Quando estava entre nós, Jesus caminhou: caminhou, curando os doentes, prestando assistência aos pobres, fazendo justiça; caminhou pregando, ensinando-nos. Jesus caminha, mas o caminho que temos mais gravado no nosso coração é o caminho do Calvário, o caminho da Cruz. O Verbo fez-Se homem e caminhou entre nós. E fá-lo por amor; faz isso por amor. A Cruz é o sentido maior do maior amor, daquele amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida. Ele espera impelir-nos a abraçar o risco de amar. Porque, como sabeis (sabei-lo melhor do que eu), amar é arriscado. É preciso correr o risco de amar. É um risco, mas vale a pena corrê-lo; nisso, acompanha-nos Jesus. Sempre nos acompanha, sempre caminha; durante a vida, sempre está junto de nós”.

Só é possível a partilha quando amamos ao jeito de Jesus, só há multiplicação quando reconhecemos os outros comos irmãos e neles acolhemos Jesus. Há abundância quando levantamos os olhos e descobrimos que os outros esperam por nós, pelo nosso olhar, pela nossa presença, pela nossa ajuda, pelos pães da alegria com que nos damos em nome de Jesus.

A caminhada do Advento, proposta pela diocese, e que está a ser trabalhada nas paróquias, partindo da carta pastoral de D. António, provoca-nos na atenção às necessidades e sofrimentos dos irmãos, mostrando que há sempre algo mais que podemos dar e que nesse dar podemos dar-nos uns aos outros e construir fraternidade.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/06, n.º 4734, de 13 de dezembro de 2023.

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