Os adultos que não somos não cresceram. Deixaram cair a aparência de crianças e de miúdos com ténis por apertar e transformaram-se em pessoas aparentemente capazes de conviver civilizadamente. Tornaram-se condutores, professores, empregados de balcão, funcionários de atendimento ao público, jornalistas, escritores, apresentadores de televisão, presidentes disto ou daquilo, diretores, advogados e tantas outras coisas que, às vezes, não cabem nas etiquetas desta ou daquela ocupação.
Os adultos que não somos tornaram-se adultos na casca do que são por fora, mas não foram capazes de se deixar evoluir internamente. Interiormente. Ali naquele lugar a que muitos chamam a alma. Obrigámo-nos a fazer o que nos disseram que seria útil, tornámo-nos arrogantes e deixámos de precisar de quem quer que fosse. Chegámos até ao degrau da vida adulta e da vida profissional, mas não somos suficientes. Não fazemos o que devíamos. Não somos o que nos prometeram que seríamos. Temos uma casa, mas, do lado de dentro, incendeiam-se ruínas. Temos um carro, mas, na essência do que somos, vamos a pé. Coxos e sem bengalas. Temos um trabalho, mas, dentro da alma que dorme debaixo da nossa pele, não fazemos a mínima ideia do que andamos a fazer.
Os adultos que não somos são os que estacionam em segunda fila e ainda ficam ofendidos se alguém ousar bater-lhes no vidro, implorando um desvio ténue do seu egoísmo triste.
São os que fazem questão de ofender, de gritar e de ferir quem ousar contrariar as suas vontades mais vincadas. São os que manipulam, agarram pelo pescoço, distorcem verdades e assustam os que não cumprem os seus desejos mais urgentes.
São os que mentem para salvar a pele. Os que pisam o sucesso dos que lhes fazem sombra. Os que dormem à sombra de um iminente fracasso alheio.
Os adultos que não somos têm ainda muito que aprender se quiserem chegar aos calcanhares de uma criança qualquer.
Marta Arrais, in Voz de Lamego, ano 92/19, n.º 4650, 23 de março de 2022