O tempo urge! Urge e escapa-nos como areia por entre os dedos da mão! Urge, porque não o controlamos, não o sujeitamos ao nosso desejo! Há dias em que os instantes são lentos e nos esgotam as forças e o ânimo. Há dias em que os instantes nos apressam, acelerando vivências e multiplicando a alegria. Ainda agora saímos do Natal e já estamos a bater às portas da Páscoa, acontecimento maior da nossa fé. Parece que andamos em círculos, partimos e logo chegamos ao ponto de partida. Porém, nada se repete! Enraizamo-nos na história e na família, na cultura e na religião. Cada momento pode ser novo se nos preencher o coração de alegria e de paz, se nos desafiar a sermos mais. No plano da fé, os momentos são novos porque nos são dados por Deus, sempre de novo. A novidade maior, que se realiza sacramentalmente no nosso tempo, é o mistério pascal, da morte e ressurreição de Jesus, expressão do amor pleno de Deus. Quem ama descobre que cada instante é novidade e é oportunidade de exprimir, em palavras e obras, esse amor à pessoa amada. O amor nunca se repete (nem a vida), é sempre novidade!
Para nos ajudar à vivência da Quaresma, as mensagens do santo Padre e do nosso Bispo (disponível na edição impressa e na página da diocese – www.diocese.lamego.pt). O papa Francisco diz-nos que “Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”.
“A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser – como anuncia o profeta Oseias – o lugar do primeiro amor (cf. Os 2, 16-17). Deus educa o seu povo, para que saia das suas escravidões e experimente a passagem da morte à vida. Como um esposo, atrai-nos novamente a Si e sussurra ao nosso coração palavras de amor”.
A libertação não é um caminho abstrato. Assim a nossa Quaresma terá que ser, igualmente, marcada pelo concreto. O primeiro passo é ver a realidade. Deus vê os sofrimentos do Seu povo e, por conseguinte, faz de Moisés o libertador.
A realidade atual, pode dizer-se, está sob o domínio do Faraó. “É um domínio que nos deixa exaustos e insensíveis. É um modelo de crescimento que nos divide e nos rouba o futuro. A terra, o ar e a água estão poluídos por ele, mas as próprias almas acabam contaminadas por tal domínio. De facto, embora a nossa libertação tenha começado com o Batismo, permanece em nós uma inexplicável nostalgia da escravatura. É como uma atração para a segurança das coisas já vistas, em detrimento da liberdade”.
À globalização da indiferença, em Lampedusa, o papa contrapôs duas perguntas muito atuais: «Onde estás?» (Gn 3, 9) e «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Na narração do Génesis, é Deus que vê, Se comove e liberta e não o povo que o pede. “Acolhamos a Quaresma como o tempo forte em que a sua Palavra nos é novamente dirigida: «Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da servidão» (Ex 20, 2). É tempo de conversão, tempo de liberdade… Ao contrário do Faraó, Deus não quer súbditos, mas filhos. O deserto é o espaço onde a nossa liberdade pode amadurecer numa decisão pessoal de não voltar a cair na escravidão”.
É um tempo de agir que começa na oração. “Parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido. O amor de Deus e o do próximo formam um único amor. Não ter outros deuses é parar na presença de Deus, junto da carne do próximo. Por isso, oração, esmola e jejum não são três exercícios independentes, mas um único movimento de abertura, de esvaziamento: lancemos fora os ídolos que nos tornam pesados… Na presença de Deus, tornamo-nos irmãs e irmãos, sentimos os outros com nova intensidade: em vez de ameaças e de inimigos encontramos companheiras e companheiros de viagem. Tal é o sonho de Deus, a terra prometida para a qual tendemos, quando saímos da escravidão”.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/14, n.º 4742, de 14 de fevereiro de 2024.