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Olhar na mesma direção

Quantas vezes na nossa vida temos necessidade de olhar para nós, para quem nos rodeia, para quem amamos, para quem pisa as mesmas estradas que nós, na família, no trabalho, na escola e no mercado! Fixamo-nos em nós, nos nossos méritos e projetos realizados, em objetivos alcançados! E muito bem! Não corramos o risco de querer ser heróis à espera do aplauso, do elogio, do louvor! Talvez o esforço não tenha sido só nosso, talvez devêssemos olhar melhor e agradecer a quem nos ajudou! Pode acontecer que só vejamos quem atrapalhou, com palavras desanimadoras, a deitar a baixo! Talvez tenha sido essa postura que nos motivou ainda mais!

Fixamo-nos em nós, nas nossas perdas, fragilidades, na nossa incapacidade em prosseguir além dos contratempos! Talvez devamos olhar melhor, uma e outra vez, e perceber que há alguém que ainda acredita em nós, que não nos deixa desistir, que insiste connosco, nos chama e desperta!

Numa perspetiva de fé, a certeza confiante, como sublinhou Bento XVI, que Deus continua a escutar-nos mesmo que já todos nos tenham abandonado. Mas não esqueçamos, Deus criou um(a) auxiliar semelhante a nós, para nos ajudar, para fazer caminho connosco. Uma pessoa sozinha, diz o povo, nem para comer serve. O(a) auxiliar é da mesma carne, osso dos meus ossos, carne da minha carne. Foi a ele, a ela, que Deus nos confiou! Foi a nós, a ti e a mim, que (também) nos designou para sermos auxiliar do outro(a). É a nossa missão.

Fixamo-nos (apenas) nos outros e contamos que eles sejam mais perfeitos que Deus. Isso também é um sério risco. Endeusamo-los ou preenchemos a nossa vida em função exclusiva dos interesses dos outros, esquecendo quem somos. Deixamos de ser rosto, para ser números, deixamos de ser nós para vivermos a vida dos outros! Como invetiva Augusto Cury, sê ator da tua vida e não mero espetador. Esperamos tudo dos outros ou agimos como autómatos para lhes agradar, para satisfazer os seus caprichos! Isto vale em muitos relacionamentos, de pais e filhos, educadores e alunos, colegas de trabalho, em grupos de amigos.

Numa perspetiva cristã, cabe-nos descentrar-nos de nós, não por desleixo, indiferença, por demissão, mas por convicção, conscientes de que sermos cristãos implica que imitemos Cristo, que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos. Se somos seus discípulos é essa a nossa sina, o nosso desiderato. Não há lugar para escapes, desculpas, para múltiplas escolhas! O caminho é o do serviço. Este não anula a reflexão, ponderação, a racionalidade, não ajudamos para nos aplaudirem ou ficarmos bem na fotografia, mas como mandamento. Fazemo-lo, não por nós, por sermos bons, mas por Jesus Cristo que no-lo ordena. E, sendo assim, reduzimos o risco de sermos endeusados. Por outro lado, em sentido inverso, servimos os outros, não por que sejam mais do que nós ou por favor, mas servimo-los porque é a Cristo quem servimos e amamos. Aquilo que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim e o fazeis.

Na vigília da JMJ 2023, em Lisboa, o Papa Francisco deixava claro: só há uma situação em que podemos e devemos olhar de cima, quando nos debruçamos sobre o outro para o ajudar a levantar, como fez o Bom Samaritano. Na Última Ceia, Jesus exemplifica: lava os pés aos seus discípulos. Diz-lhes logo de seguida, como Eu fiz, fazei vós também.

Terminou, em Roma, no dia 27 de outubro, a segunda e última sessão da XVI Assembleia Sinodal sobre a Sinodalidade. O sínodo foi um caminhar juntos, em atitude de serviço e diálogo, de escuta e respeito, de debate e de muitos contributos e achegas. O caminho sinodal continua. É a identidade da Igreja. Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, ser Igreja não consiste em olhar um para o outro, mas sim em olhar juntos para a mesma direção, orientados pelo olhar de Jesus Cristo.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/49, n.º 4777, de 6 de novembro de 2024

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