Quando vamos para participar numa atividade devemos esquecer tudo e centrar-nos no momento presente. Dizemos isso, por exemplo, da oração e em concreto da Eucaristia. Estar de corpo e alma nas coisas, nos momentos, nas celebrações. Esquecer as preocupações para nos imbuirmos e entranharmos do que vamos ou estamos a viver. Bons cristãos penitenciam-se por se distraírem na oração!
Um adulto não consegue estar concentrado mais do que quinze minutos. Numa conferência, numa aula, num seminário utilizam-se dinâmicas para prender, captar, voltar a focar a atenção naquilo que se está a comunicar. Silêncios, gestos, alteração do tom de voz, imagens, músicas, pequenos vídeos, perguntas, diálogo, colocar o “público” a refletir, pensar, pesquisar, responder, movimentar-se fazendo deslocar o olhar e a atenção. Técnicas, estratégias, métodos, meios para que a distração, a sonolência, a apatia não tomem conta da pessoa, alheando-a… Com efeito, não sendo computadores, não é possível desligar a vida e as preocupações e entrar 100 % concentrados. Também na oração estamos com o que somos e com a vida do dia a dia, também a Deus nos dirigimos com as nossas aflições, inquietações, com o que nos absorve o coração, a mente, os dias.
Se vamos à Missa, não deixamos o fogão aceso com os cozinhados em andamento, porque depois não estamos nem num lado nem no outro, estaremos sempre com pressa, tudo nos parecerá demasiado lento, demorado, sem fim. Vou, sei que demorará aproximadamente aquele tempo… Reservo mais minutos para conversar com os outros! Nesta e em outras situações similares, sim, tanto quanto me é possível, deverei criar as condições para estar inteiro onde estou, na oração, numa tarefa ou num encontro. E estou inteiro também com as pequenas e grandes coisas que ocupam a minha vida. E também isso coloco na oração e ofereço a Deus, como súplica, intercessão, ou como louvor e gratidão.
Assim também o ano, um novo ano. Desejamos entrar com o pé direito, mas será bom entrarmos com os dois pés, com o corpo inteiro, com o que somos. Desejamos que o novo ano seja diferente do que deixámos para trás, mas sabendo que só o desejo não é suficiente para fazer a vida acontecer. Queremos que o novo ano não tenha nada a ver com o ano que findou, sobretudo quando vivemos situações tristes, adversas, que, talvez, preferiríamos esquecer, que nos fizeram sofrer. Mas tal nem é possível nem é humano. Não somos máquinas e não estamos compartimentalizados em dias ou anos. Somos um todo, desde a gestação até à morte biológica. Levamos para o novo ano, e ainda bem, o que vivemos no anterior, e o ano de 2023 enriquecer-nos-á, com o nosso viver e com o nosso compromisso, com os outros e com os acontecimentos do tempo presente. Podemos fazer do passado um peso ou uma prisão, convém, ao invés, fazer do passado raiz, chão e alavanca para o presente e para uma vida mais feliz e confiante. E mesmo aqueles que, no tempo e na história, ficaram pelo caminho, seguem connosco, enchendo-nos o coração de gratidão e desafiando-nos a viver sem desperdícios de tempos e de momentos, na certeza que em Deus estão vivos e continuam na nossa vida.
Ficam os votos de um ano feliz e abençoado e o desafio a que vivamos focados em darmos o melhor de nós, buscando nos outros o rosto e a presença de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/08, n.º 4688, 11 de janeiro de 2023