Poderia Judas desempenhar um papel essencial na Igreja? Só Deus saberá. A proximidade a Jesus, como um dos discípulos mais chegados, deixa-nos entrever que, tal como Pedro, apesar da traição, poderia ser um dos esteios da Igreja nascente. Pedro arrependeu-se e chorou copiosamente a traição (cf. Mt 26, 69-76). Jesus tinha preparado os discípulos para os tempos adversos que estavam para chegar. Pedro foi capaz de se deixar converter pela ternura e pela misericórdia de Deus. Judas, ao invés, deixou-se roer pela culpa. Arrependeu-se, mas não superou a culpa.
“Então Judas, ao ver que Ele tinha sido condenado, arrependendo-se, devolveu as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: «Pequei, ao entregar sangue inocente». Mas eles disseram: «Que temos nós com isso? É lá contigo». Então ele, depois de atirar as moedas para o templo, afastou-se e foi enforcar-se” (Mt 27, 3-6).
Não sabemos o “diálogo” de Judas com Deus. No alto da Cruz, o bom ladrão, no último instante, ganhou o Céu: hoje mesmo estarás Comigo no Paraíso! Acerca de Judas, somente Deus sabe. O Concílio de Trento define que quem afirmar que Judas foi para o Inferno seja declarado anátema, ficando fora da comunhão da Igreja. O enforcamento poderá ser expressão do desespero – Judas reconhece o mal feito, mas não há nele luz/humildade/discernimento suficiente para corrigir, como fez Pedro – ou pressa em chegar junto de Jesus. Ao matar-se, Judas juntar-se-á rapidamente ao Seu Mestre e Senhor. A biografia de alguns santos – são Paulo, santo Inácio de Antioquia, santa Teresa do Menino Jesus, santa Eufémia – evidenciam a valentia diante da morte, pois esta permitirá rapidamente o encontro definitivo com Jesus.
Orígenes, baseando-se no final do Evangelho de Mateus, defende que “quando Judas se deu conta do que tinha feito, apressou-se a suicidar-se, esperando encontrar-se com Jesus no mundo dos mortos, e ali, com a alma a nu, pedir-lhe perdão” (Ariel Valdés). Segundo Valdés, sacerdote argentino, “Judas era um homem nacionalista e violento, com sonhos de poder e de grandeza. E não tinha a menor dúvida que o seu amigo Jesus poderia tornar esse sonho realidade”.
Foi escolhido por Jesus, tornou-se um dos seus discípulos mais próximos, responsável pela bolsa comum, todos confiam nele, só que nos últimos instantes, precipitou-se. Jesus repreendera Pedro: passa para trás de Mim, satanás! Também Judas terá querido ultrapassar o Mestre e obrigá-l’O a agir rapidamente e com violência. Os evangelhos enformam Judas com muitos epítetos negativos, mas percebe-se como era uma pessoa confiável. Não foi por ganância que entregou Jesus. Aliás, os evangelhos, à exceção do de são Mateus, deixam perceber que a decisão de Judas antecede a compensação que os chefes dos sacerdotes e anciãos decidem dar-lhe. Trinta moedas de prata, porém, é uma importância irrisória, o valor de um escravo. Um mau negócio.
No decorrer da Última Ceia, Jesus lavou os pés aos discípulos. Também a Judas lhe lavou os pés. Pedro resiste a esta atitude escrava de Jesus. Talvez Judas lhe custasse ainda mais a ver como o Mestre Se sujeitava a ser o último, a fazer-se servo de todos. Como era possível que o Filho de Deus não tivesse uma atitude de majestade, poder, esplendor. Jesus venceu as tentações, mas Judas, como os demais, acha que o Mestre se deveria impor.
Que podemos aprender com Judas? Por exemplo, a proximidade com Jesus, mas igualmente a opção pela verdade e pelo amor, pelo serviço, pelo abaixamento. Não basta estar perto, é preciso escutar a voz e o coração do Mestre. O discípulo amado de Jesus, que havemos de ser todos, inclina o ouvido para o coração de Jesus. Para assegurar um seguimento autêntico, e o envio, Jesus questiona: “Pedro, tu amas-me mais do que todos?”
Não basta arrepender-se do mal feito, é urgente converter-se, convergir para Cristo, procurando realizar, não a própria, mas a vontade de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/17, n.º 4745, de 6 de março 2024.