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O país da vida agraciada

Às portas do Jubileu 2025, cujo lema é “Peregrinos de esperança”, eis que o nosso Bispo nos propõe, na Carta pastoral para este ano, e para ser força motriz para momentos de oração, de celebração, de reflexão e formação, para atividades pastorais: Jubileu, o país da vida agraciada. Imediatamente, D. António Couto nos faz conjugar a vida e a graça, a história e o tempo, a territorialidade da promessa, remetendo-nos para Aquele que nos agracia com a Sua bênção e com a Sua presença, plena e perfeição, em Jesus Cristo, no mistério da Sua vida, paixão e morte e Páscoa. A terra fazia parte essencial da promessa e da Aliança de Deus com o Seu povo santo. Jesus Cristo passa a ser o território de adoração. Doravante, os adoradores sê-lo-ão em espírito e verdade, acolhendo o Seu Corpo e Seu Sangue, mistério de graça e salvação, sacramento de caridade fraterna.

A edição desta semana da Voz de Lamego situa-nos entre o Dia Mundial dos Pobres e a solenidade de Jesus Cristo como Rei do Universo. Os pobres, os simples, os pequeninos, os mais frágeis, estão no coração de Jesus de uma forma muito especial. A opção preferencial pelos mais pobres, que não exclui ninguém, dá prioridade àqueles que têm pouco, que se encontram em situação de exclusão, de esquecimento e indiferença, de carestia, aqueles que não têm cidadania social, cultural, económico-financeira e, por vezes, não têm sequer cidadania religiosa. São os esquecidos da vida e da história, os que não têm lugar à mesa nem casa onde se sintam família, mas que têm, também eles, um coração para preencher e uma vida para desfrutar. Verdadeiramente humano é aquele que ama e se sente amado, acolhido, e com condições de vida com um mínimo de conforto e segurança. Jesus veio para os que precisavam de salvação, de graça, de consolação, que precisavam de um olhar meigo, terno, acolhedor, para aqueles que precisavam e precisam de atenção e cuidado, precisam de pão e de abraços.

Com o Dia Mundial do Pobre, o santo Padre reforça o cuidado que a Igreja, e cada um de nós como membro do Corpo de Cristo, deve ter para com os mais desfavorecidos. Não é uma opção, é a nossa identidade cristã, o nosso compromisso com o Evangelho. Se somos de Cristo, é Cristo que devemos seguir e imitar, é Cristo que devemos reproduzir nas nossas palavras e ações. É um mandado incontornável: o que fizerdes aos mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. Descuidar dos irmãos é desprezar o amor de Jesus Cristo por nós, é ignorar quem somos, como cristãos, como filhos no Filho. Se somos discípulos, cabe-nos viver na lógica do amor sem medida, sem cálculos, sem reservas. E o amor, como Cristo no-lo ensina, é concreto, implica as mãos e o coração, e a vida toda. Não é um amor pontual! Não é para quando nos dá jeito. O pobre clama a Deus e Deus ouve a sua voz. Se Deus ouve o pobre, quem somos nós para o ignorar?

A soberania de Deus, celebração do próximo Domingo, o último deste ano litúrgico, coloca-nos num país de iguais, para parafrasear o lema proposto pelo nosso Bispo. Só Deus é Deus, só Ele é realmente soberano. No mundo em que vivemos há muitos que querem reinar, muitos sem méritos nem propósito de servir, mas impondo-se e sujeitando a maioria a decisões e realezas que destroem, subjugam pela força, pelo controlo económico, pela perseguição e violência. Reconhecer que só Deus é soberano, é assumir que somos todos súbditos e ninguém está acima dos outros. E, por outro lado, a realeza de Deus é paterna, amorosa, é graça que nos irmana e nos compromete uns com os outros, na constituição e construção da fraternidade.

Também por aqui se erradicaria a pobreza material, a miséria das 780 milhões de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza. O Jubileu tem o condão e o fito de repor a terra e a liberdade, de devolver o que se herda dos pais, melhor, o que nos vem de Deus, pois quando cá chegámos já a terra era redonda e os bens da criação estavam disponíveis para recriar, multiplicar, distribuir. Da tentação dos primeiros pais, o pecado de tudo arrebanhar, mesmo o que é de Deus e é para todos, ao país em que a graça de Deus nos converte e nos faz ver os outros com os olhos do coração.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 95/2, n.º 4779, de 20 de novembro de 2024

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