O maior mistério da nossa fé expressa-se, estende-se e aprofunda-se, em todo o tempo, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, mistério pascal, morte, paixão redentora e ressurreição de Jesus Cristo. Em domingos sucessivos, tempo de Páscoa, a liturgia da Palavra ajudou-nos a mastigar este grande e único mistério de salvação. Da Páscoa ao Pentecostes, com o entretanto da Ascensão de Jesus ao Céu. Prosseguimos com a solenidade da Santíssima Trindade e logo a do Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.
É um único e indivisível mistério: Deus que, não apenas nos procura, mas faz-Se um de nós, assume a nossa condição humana, as nossas fragilidades e finitude. Como refere o apóstolo da Palavra, faz-Se pecado por nós, para nos libertar do mal e da morte, nos resgatar ao pecado e às trevas. A encarnação escancara o Céu, a ressurreição une-nos, para sempre, à vida divina. Ele faz-Se um de nós para fazer de nós Um com Ele na eternidade. Com Cristo morremos, com Cristo ressuscitamos. O sacramento do batismo, a água e sobretudo o Espírito Santo, faz-nos novas criaturas, participantes da vida divina. A ressurreição está em ação, transformou-nos e renova-nos constantemente até à eternidade. Em cada Eucaristia, o Espírito Santo dá-nos Jesus, a Sua vida, o Seu Corpo e Sangue. Não resgatamos o passado através da recordação! O sacramento, o Espírito Santo, em Igreja, na comunidade, traz-nos Jesus ao presente, Ele é connosco, Ele está no meio de nós, não apenas simbolicamente, mas real e totalmente. A vastidão do Céu encolhe-se e cabe inteiramente na palma da mão, num pequeno pedaço de pão, em pequenas gotas de vinho. A grandeza na pequenez e na simplicidade. A omnipotência na fragilidade. Tudo amor, tudo por amor! É a maior força da natureza e, no entanto, pobre e frágil, pois está voltado, não para si mesmo, mas para o(s) outro(s). Sempre, primeiro, os outros. É assim o amor.
No início da história da salvação acontece um fratricídio! Melhor, no início, o amor que gera vida, Deus cria o Universo, cuja obra-prima é o ser humano. Deus é Amor e o amor é criativo, não se isola, não se enrola, não diminui, cria e multiplica-se. O amor de Deus gera vida! O paraíso descrito na Bíblia recolhe admiravelmente o sonho de Deus. Um sonho que nos quer vivos e a viver harmoniosamente, confiantes e felizes. É um paraíso-casa para todos! Não é comprável, não é fruto de conquista, é dádiva a acolher e a condividir. O pecado surge quando alguém tenta usurpar o que é de todos e para todos. Sublinha o nosso Bispo que o pecado de Adão e Eva não está em comerem o fruto da árvore mas em arrebanhá-lo para eles, não permitindo que outros possam usufruir do fruto dado a todos!
Egoísmo, inveja, ciúme, sobranceria, prepotência, avareza… geram morte. Os sentimentos não são bons nem maus, a forma como lidamos com eles é que podem gerar vida ou morte. Caim não soube digerir o ciúme, a inveja, alimentou-a, dormiu com ela e com ela se levantou, com ela se alimentou, encheu-se com ela e explodiu. Caim matou Abel. E quase que nos esquecemos que no princípio esteve e está o amor de Deus, a criação, a vida, o amor, a beleza, a harmonia. Com um gesto, Caim quase deita tudo a perder. É tão fácil destruir! Mesmo o que demorou a construir, mesmo o que é gerado por amor.
Deus, porém, qual Pai, não desiste e logo coloca uma marca em Caim para que ninguém lhe faça mal, apesar de ser fratricida. Chegada a plenitude do tempo, o Pai dá-nos o Seu filho único, dá-nos Jesus, que nos assume como irmãos. Do fratricídio chegamos à fraternidade. E esta é a nossa missão: tornarmo-nos o que somos, irmãos, e construirmos um mundo-casa de todos para todos. Do mês do coração, chegamos ao (mês do) coração de Jesus. No mês do coração, Maria envolve-nos na ternura de Deus, apressa-nos para Jesus, pois Ela sabe que é o Coração do Seu filho, nosso irmão, que no salva e no qual encontraremos a paz que nos fará felizes!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/28, n.º 4756, de 29 de maio 2024.