Kazuo Ishiguro foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2017. O New York Times considerou este escritor “um génio original e extraordinário” e não é nada difícil concordar com esta opinião depois de lermos o romance “O Gigante Enterrado”.
A ação desta obra, que, pelos seus contornos míticos e fantásticos, faz lembrar os livros de Tolkien, passa-se na Grã-Bretanha, poucas décadas após a morte do rei Artur. No início da história, travamos conhecimento com um casal bretão: Axl e Beatrice. Estas duas personagens decidem empreender uma viagem para irem ao encontro do filho, do qual não tinham notícias há muito tempo e do qual, estranhamente, mal se lembravam. Mas não eram os únicos a sofrer de falta de memória. Segundo o narrador nos conta, as pessoas não eram capazes de se recordar de quase nada do que lhes acontecia e mal tinham consciência disso.
Ninguém sabia explicar a causa desta amnésia coletiva. Uma das teorias dizia que talvez Deus, envergonhado com algum ato horroroso cometido pela humanidade, tivesse querido esquecer o passado, fazendo com que todos o esquecessem também.
No entanto, a situação estava prestes a mudar: algumas recordações começavam a voltar, mas eram vagas, incompletas e facilmente se confundiam com sonhos.
A viagem de Axl e Beatrice vai fornecer a chave para a compreensão do que se passava e também proporcionar o encontro com várias personagens fascinantes, entre as quais um cavaleiro do rei Artur, ao qual foi confiada uma missão secreta, cujo objetivo só é revelado no final do romance.
Essa missão, que ele cumpriu escrupulosamente, não era do agrado de todos. E é por isso que o intrépido guerreiro Wistan inicia também uma viagem, que se vai entrelaçar com a de Axl e Beatrice.
No final da leitura, para além do notável desenlace da história, de todo o conjunto de acontecimentos e das características das personagens, fica também na nossa memória a incómoda, mas importantíssima, pergunta feita pelo sábio Irmão Jonus: “Não é melhor algumas coisas permanecerem ocultas das nossas mentes?”
Margarida Dias, in Voz de Lamego, ano 95/18, n.º 4795, de 19 de março de 2025