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Editorial: Que fazer com o amor que nos dão?

É fácil contestar a ofensa, a acusação, a queixa, mais difícil é lidar com o elogio, com a doçura, pois ficamos desarmados, sem jeito, não sabemos o que dizer ou como reagir. Para muitos é mais confortável ser contestado e reagir, do que ser desarmado pelas palavras e/ou pelos gestos de carinho. Também lhes será mais fácil ser acintosos!

Em tempo de bonança, governar um país ou uma empresa implica mais discussões/negociações, agilidade! Em tempos de crise, as pessoas tendem a unir-se, a ser criativas nas medidas, e até, para não prejudicar o esforço de quem governa ou dirige, optam por abdicar de algumas propostas, para não haver desculpas ou distrações. Exemplo disso é a pandemia, em que, tirando alguns casos, pontuou a unidade. As críticas vieram depois, a contestação deu-se quando a tempestade amainou e perdeu intensidade. Na verdade, numa aflição, esquecemos inimizades, convicções e ajudamos ou deixamos que nos ajudem. Na tempestade, não há tempo a perder, é necessário agir, rapidamente, sem pensar demasiado, sem discursos nem esperas.

A vida não é a branco e preto, mas é possível que, em algum momento, já tenhamos feito esta experiência. Lidamos com a crítica, com a ofensa, justificamos, explicamos, ou partimos para a contraofensiva, atacamos e acusamos quem nos ofende. Ficamos sem palavras quando nos elogiam. Nessas ocasiões, diz o bom senso, é aceitar, da mesma forma que se aceita uma crítica, melhor, agradecer e não se alongar, pois também há a tentação da falsa humildade: se calhar não mereço tanto! Aceitar e agradecer!

Que fazer com o amor que nos dão?

Antes disso, fixemo-nos na palavra “dar”. Dar, aqui, não é dar alguma coisa ou prestar um serviço, mas este dar é dar-Se. Como diz a canção, “fica sempre um pouco de perfume nas mãos daqueles que oferecem rosas”. Quem ama, dá-se, não se desprende de alguma coisa e se desliga. Uma esmola pode ser isso, damos alguma coisa a quem pede e seguimos com a nossa vida, sem marcas, sem dor! O amor que é dado, não se larga, não se despeja, pois a pessoa vai com o amor que dá e fica refém do amor dado, pois sabe que está a marcar o outro e interessa-lhe por ele e pela sua felicidade. Dar é dar-se, envolver-se, o amor implica-nos e compromete-nos, faz-nos olhar bem dentro dos olhos do outro. O amor, com efeito, e a sua tradução e concretização, em palavras, gestos, não é uma dimensão que se vive em alguns momentos, é a pessoa que ama, vive, relaciona-se, interage, gasta-se, sacrifica-se, sofre.

A Páscoa, que continuamos a viver, e que marca todo o ano litúrgico, aviva a entrega de Deus em Jesus Cristo. Deus antecipa-Se, cria-nos por amor, salva-nos por amor. Sem reservas nem condições, sem merecimentos prévios, não porque O conquistemos, mas, como os pais em relação aos filhos, ama antes, primeiro, e além da nossa bondade, dos nossos méritos ou dos nossos esforços. Que fazer deste AMOR recebido, como O acolhemos? Como não desperdiçar tão grande amor? Como torná-lo visível, palpável, concreto? Deus trata-nos com docilidade, procura-nos, vem até nós, faz-Se um de nós, quase Se anula para nos mostrar que Se importa connosco e com o nosso destino, abaixa-Se para ficar do nosso tamanho, para que possamos ver o Seu olhar apaixonado. Vem para nos interpelar a amar e a viver, e a viver solidariamente com todos os Seus filhos, em Cristo Jesus, nosso irmão.

Temos o coração de Deus nas nossas mãos, Ele confiou-no-lo! Que fazer com este amor que Deus nos dá?


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/23, n.º 4703, 26 de abril de 2023

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