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Não vás sozinho! Podes perder-te!

Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura. A mensagem de Jesus é clara. Não envia individualmente, quando muito, envia-os dois a dois. No Evangelho, Jesus fala para todos, para a multidão, para os discípulos e para os Doze. Individualiza na cura, no perdão, no acolhimento, na inserção. Dois âmbitos que se completam. Vem para todos, mas a pessoa é única, irrepetível, tem um rosto e tem nome, tem casa e tem a sua identidade, a sua vida e o seu sofrimento, a sua história. As pessoas não são números, não se perdem no geral, cada uma conta e Jesus trata cada pessoa como irmã a quem muito ama.

Farei de vós pescadores de Homens!

Pedro, apascenta o meu rebanho. A missão de Pedro é específica e, por conseguinte, Jesus se dirige a ele de forma mais pessoal. O envio é para todos. Todos chamados, todos enviados. Pedro merecerá uma preparação muito especial, para que se torne verdadeiramente líder. Pedro, afasta-te! Pedro, negar-me-ás! Pedro, tu amas-Me, mais do que estes? Pedro apascenta as minhas ovelhas! Também a Judas, Jesus desafia: faz o que tens a fazer! Fá-lo depressa! Insinua-se, ainda assim, o distanciamento em relação à comunidade. Na verdade, quando Pedro intervém, sobressai o que lhe vai na alma, o “interesse” muito humano, a espontaneidade de quem olha mais para si do que para Cristo! Quando Jesus “manda” Judas sair, já ele tinha ido ao encontro dos escribas e doutores da lei. Mais que um mandato, é uma constatação. Jesus percebe que Judas já não está com os outros, já não se sente em casa, já não se identifica com o grupo, já se perdeu.

Em dia de Páscoa, Pedro corre até ao sepulcro. Com ele, mais adiantado, vai o discípulo amado, vou eu e vais tu! Mas o discípulo amado não entra quando chega, mesmo que seja essa a sua vontade. Espera que Pedro chegue. É a comunidade que presencia os sinais do túmulo sem o corpo de Jesus. Quando Jesus Se apresenta ressuscitado no meio dos discípulos, Tomé está fora. Quando regressa não acredita. Este estar fora é decisivo. Oito dias depois, Jesus apresenta-Se novamente no meio deles e Tomé faz a experiência deste encontro em comunidade. Fora da comunidade, corremos o sério risco de nos perdermos. Diz-se popularmente, que sozinho nem para comer!

A Igreja, sou eu e és tu, continua empenhada, envolvida, a caminhar, procurando sincronizar com os passos da humanidade, com as suas esperanças e alegrias, as suas dúvidas e tristezas, mas sem perder de vista as pegadas de Jesus. Uma Igreja que se faz a caminhar, sinodal, em conjunto, de todos para todos, pois esse é o mandato de Jesus. Não te diz… não me diz… “vai”. Ele diz-nos: ide! Anunciai! Fazei discípulos! Para que todos sejam um. Como o Pai e Eu somos Um, que sejais também um. Permanecei no Meu amor, para que haja um só rebanho e um só Pastor. A videira e os ramos.

No chamado concílio de Jerusalém são colocados em confronto duas posições. A comunidade de Antioquia, perante dissensões entre cristãos originários do judaísmo e oriundo do paganismo, não hesita em enviar mensageiros à Igreja-mãe de Jerusalém. Oração, reflexão e discernimento em comunidade. Sobressai a expressão “Nós e o Espírito Santo”. A comunidade rezou em conjunto, refletiu e em conjunto tomou uma decisão. São Paulo, à primeira vista, parece um apóstolo à parte, mas um pouco mais atentos e veremos como é inserido na comunidade e como Barnabé assume o papel de padrinho, afiançando-o à comunidade. Quanto parte, Paulo é enviado da comunidade, à qual, no regresso, presta contas.

Sozinho, vales pouco e perder-te-ás. Ainda que quiséssemos cortar todas as amarras, todas as ligações, seremos sempre, inevitavelmente, com os outros, devendo-lhes parte do que somos e tudo o que temos. Numa perspetiva mais espiritual, nunca estamos sós, o Senhor caminha connosco.

Não vás sozinho, vais perder-te!


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/25, n.º 4753, de 8 de maio 2024.

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