O Fernando Pessoa teve uma certa razão ao criar os seus heterónimos. Todos eles tinham nomes e profissões diferentes, gostos, personalidades e características distintas, mas tiveram origem no mesmo ser.
Como pôde isso ser possível?
É fácil. E, agora, entendo-o na perfeição!
Nós não somos apenas uma coisa; somos várias. Temos dentro de nós centenas de características, de pormenores, de gostos e interesses, de habilidades e preferências. Por isso, para alguns, é tão difícil seguir uma única profissão ou escolher um curso; afinal, gostamos de tantas coisas! Queremos fazer tanto!
O mesmo se aplica à nossa personalidade. Tanto somos assim, como somos assado; tanto reagimos de uma forma, como depois podemos reagir de outra.
A sociedade tenta constantemente fechar-nos dentro de caixas e caixinhas e colar-nos rótulos: só podes ser A ou B, só podes gostar de X ou Y… Isso limita-nos, restringe-nos, corta-nos as asas e a capacidade de sonhar e sermos criativos!
E, aliás, a vida é tão cheia de lugares, pessoas, experiências e oportunidades: porque devemos escolher apenas uma coisa de cada vez? Porque não nos permitimos mudar e experimentar?
Eu recuso que me fechem numa caixa! Não aceito qualquer rótulo nem definição! Não sou uma, sou dezenas ou até centenas de coisas diferentes! E a vida é bem mais rica assim!
Ana Fonseca, in Voz de Lamego, ano 93/27, n.º 4707, 24 de maio 2023