Muitos são os sentimentos capazes de nos tirar o sono, de nos retirar o sorriso do rosto, de nos impedir de saborear o que de bom Deus nos dá… algum conflito, situações desconfortantes, problemas ou mal-entendidos no trabalho ou em ambiente familiar.
Todos os sentimentos menos bons têm o poder de nos ir destruindo um pouco, criar uma ou outra cicatriz, marcar o que aconteceu na memória.
Dependendo da situação e da pessoa, o grau de tristeza varia assim como o tamanho da cicatriz, no entanto, uma das coisas que mais revolta nos provoca talvez sejam situações de injustiça.
«Justiça é dar ao outro o que é dele; amor é dar ao outro o que é meu.». Pensamento do Papa Bento XVI, que aqui falei na edição anterior debruçando-me mais sobre a questão do amor, e que hoje retomo curvando-me sobre a justiça.
Justiça e amor andam de mãos dadas, pois quem ama verdadeiramente, ama como Deus nos ama, ama sem preconceitos e sem contrapartidas. Amar também é desejar justiça, é desejar e fazer com que haja justiça para nós, mas principalmente, para os outros.
São inúmeras as situações de injustiça e maldade, facilmente identificáveis e condenáveis, que podem rapidamente ser corrigidas ou pelo menos trabalhar imediatamente nesse sentido… um caso de roubo, violência, homicídio, favorecimentos ilícitos, entre muitos outros.
Todas as injustiças são más, mas existem algumas, silenciosas, que nos vão consumindo, possuindo e mortificando. Quantas vezes nos revoltamos com comentários a nosso respeito que nos tentam caracterizar de forma distorcida? Quantas vezes não conseguimos argumentar contra uma mentira sobre um acontecimento, principalmente quando estamos sozinhos do lado da verdade?
Observar uma injustiça que não pode desmontada com provas físicas, quando a nossa voz e vontade não bastam e são a nossa única arma, é algo que nos soterra.
O próprio Papa Bento XVI sofreu na pele uma injustiça desmedida, o facto de ser a pessoa que era, mesmo demonstrando os seus pensamentos e forma de vida, viu-se enxovalhado e incompreendido pela comunicação social e pela sociedade. É difícil imaginar o sofrimento sentido, mas podemos extrapolar nas situações em que nos apercebemos que alguém tem uma opinião sobre nós próprios contrária à nossa maneira de ser.
Justiça é dar ao outro o que é dele, é dar o benefício da dúvida quando conhecemos alguém, é não cair na tentação de o caracterizar através de comentários que vamos ouvindo e que vão moldando a nossa opinião, é dar ao outro espaço para mostrar quem é e o que pensa, justiça é não julgar, é dar ao outro oportunidade de se defender e de renascer após pedir perdão e/ou cumprir pena, nos casos dos presidiários.
Justiça é deixar o outro ser ele próprio, por inteiro, sem lhe retirar nada, sem o tentar ‘maquilhar’, deixar que tenha a sua identidade, aceitá-lo como é e protegê-lo contra as injustiças.
Raquel Assis, in Voz de Lamego, ano 93/09, n.º 4689, 18 de janeiro de 2023