Júlio Dinis é o pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, escritor portuense, nascido em 1839, que foi considerado o primeiro romancista moderno da literatura portuguesa.
Nos seus romances, nos quais se cruzam harmoniosamente características realistas e românticas, Júlio Dinis demonstra várias tendências, das quais destacaremos quatro.
Uma delas é a ancoragem das suas histórias na realidade. Através das narrativas dinisianas, ficamos a conhecer muito melhor a vida no século XIX, por exemplo, o modo como se processavam as eleições, os malefícios da religião mal compreendida, a corrupção na política, os preconceitos da aristocracia tradicional e os hábitos dos jovens burgueses.
Outra das características é o carinho que o narrador demonstra pelas suas personagens, apresentando-as do modo mais completo possível, transcrevendo os seus pensamentos, desculpando-as por aspetos menos positivos da sua atuação e não criando nenhuma completamente má. São dele personagens inesquecíveis como o médico João Semana, sempre disponível para os seus doentes; o senhor Reitor, figura exemplar de sacerdote; Madalena, a Morgadinha, sempre atenta às necessidades dos que a rodeavam; Augusto, o exemplo perfeito da retidão moral, da inteligência, da sensibilidade, da curiosidade intelectual, do equilíbrio entre a razão e os sentimentos; Jenny, o anjo do lar; Tomé da Póvoa e José das Dornas, símbolos da honradez e do valor do trabalho; Daniel e Carlos, ambos de cabeça leve, mas de bom coração, entre muitas outras.
Maria Lúcia Lepecki, professora universitária, referiu-se a esta característica do escritor numa crónica publicada na revista “Superinteressante”, em dezembro de 2008: “o âmago da mensagem do autor [é] um otimismo tão singelo quanto forte, uma fé inabalável na bondade de homens e mulheres, tocados todos de uma funda humanidade que vemos plasmar-se […] numa inesgotável capacidade de ser com, e para, o outro”.
A valorização da família é também uma das imagens de marca de Júlio Dinis. São fascinantes as páginas em que se narra a Ceia de Natal em casa da Morgadinha ou os serões no lar de Manuel Quintino ou a vida recolhida de Jenny ou ainda os diálogos de José das Dornas com o seu filho Daniel e de Clara com a irmã Margarida.
Por último, temos o sentido de humor, presente em várias passagens hilariantes. Os monólogos do desventurado Zé Pereira, as conversas do casal Esquina e os seus planos para casarem a filha, a ideia obsessiva de D. Vitória sobre a alegada incompetência dos empregados, a exagerada preocupação de D. Doroteia com o risco de incêndio e ainda certos comentários do narrador proporcionam excelentes momentos de boa disposição.
Por tudo isto e por muito mais, merece este autor uma atenção bem maior do que a que lhe tem sido concedida.
Margarida Dias, in Voz de Lamego, ano 94/49, n.º 4777, de 6 de novembro de 2024