Se o Jubileu é país de vida agraciada, como ressalva o nosso Bispo, cabe-nos fazer com que tal seja possível, concretizável e se torne visível, onde quer que estejamos, como pessoas cristãs e enquanto comunidade. Os cem mil indivíduos que constituem a nossa diocese hão de converte-se em comunidade, em família, reunidos à volta da Palavra, congregados pelo mistério redentor de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, com gestos e presença que curem a solidão e os distanciamentos, fazendo com que as diferenças sejam secundarizadas pela proximidade, compreensão, pela amizade, pelo amor.
A fé não é (somente) vertical. Se assim for, deixa de tocar a vida, o coração, deixa de ser relevante. Se não toca e não liga pessoas, passa a ser meramente espiritual e quando se der por isso será apenas uma vaga ideia, um pensamento, não contraposto, não verificável, não passará de um conceito abstrato, vago, uma birra, uma mania!
A fé também não é (somente) horizontal. Se assim fosse, seria uma filosofia, sem salvação, escrava do tempo e da história, sem abertura, sem esperança, com os bloqueios que o nosso egoísmo pode gerar e com a rivalidade que tantas vezes nos coloca em situação de conflito e de disputa, excluindo, expulsando, supervalorizando os direitos e esquecendo os deveres. Caim e Abel são história que se replicou ao longo de gerações. Caim não olhou para o Céu, esqueceu-se da sua origem, esqueceu-se que a terra não era sua, passou a ver o irmão como adversário, como inimigo a quem derrotar. Sem irmão, o mundo poderia ser todo seu. Sem irmão, sem lar, sem família, também a terra se torna inimiga.
A Cruz, expoente excelso e símbolo incontornável da nossa fé cristã, expressa visual, plasticamente a dupla dimensão da fé, a verticalidade e a horizontalidade. A cruz liga a terra ao Céu; a encarnação de Deus, em Cristo, traz o Céu à terra. A cruz levanta-se da terra e projeta-se para as alturas, completando-se nos braços, abrindo-se aos irmãos. É assim que Jesus vive e se entrega, na cumplicidade com Deus Pai – Pai nas tuas mãos entrego o meu espírito –, confiando que cuidemos uns dos outros: Eis aí a tua Mãe… eis aí a Tua Mãe.
Em diversas ocasiões o santo Padre nos relembra que a fé é manufaturável, passa do coração para as mãos, vive-se na concretude, ao jeito do bom Samaritano, ao jeito de Jesus, Aquele Jesus que se ajoelha e lava os pés aos discípulos.
O nosso Bispo, na Carta Pastoral para este ano de 2024-2025, acentua as duas dimensões importantes na vida do povo eleito: a terra e a família. O ano sabático tem o propósito de fazer descansar a terra, fazendo-a voltar ao estado original com que foi recebida de Deus. A novidade do Jubileu, em relação ao ano sabático, “é, com certeza, a redistribuição das terras por todos, segundo a vontade do proprietário divino”. Não se vendem as terras para sempre, pois a terra foi dada por Deus, no ano jubilar voltam à posse dos anteriores proprietários.
A ganância pelas terras e pelo poder, destrói, divide, cria muros, fronteiras, marcos divisórios. Adão e Eva apossam-se do que era para todos. A terra é um fator decisivo nas guerras, como se vê, da Rússia contra a Ucrânia e entre Israel e o Hamas.
Ao longo da história, os grandes latifundiários, genericamente, fomentaram a posse, com o empobrecimento de muitos e a escravização de muitos mais.
Essencial no Jubileu é também a família. São devolvidas as terras e são desfeitos os laços de servidão. O jubileu protege a família, a tribo, o clã. Mesmo no que diz respeito à terra. “A herança dos israelitas não passará de uma tribo para outra; os israelitas permanecerão vinculados cada um à herança da sua tribo” (Nm 36, 7-9). “Se a família desaparecesse, era a existência do povo que estava em perigo. O problema assume, por isso, particular gravidade, e, por esta razão, é o próprio Deus que protege a família… a família é subtraída à autoridade humana; é sagrada, e pertence apenas a Deus” (D. António Couto).
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 95/3, n.º 4780, de 27 de novembro de 2024.