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Inúteis servos… só fizemos o que devíamos

Uma das virtudes essenciais do cristianismo é a humildade.

Quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado (Lc 14, 11)!

Numa entrevista, algumas semanas depois de ter sido eleito, o Papa Francisco referia que era simples, mas não ingénuo. O mesmo se diga da humildade. Uma pessoa humilde não é, de todo, alguém ingénuo, inseguro, ignorante, simplório, mas alguém consciente do que é e que faz uma opção de vida. Na mesma medida, há quem faça a distinção entre pureza e ingenuidade. Dizemos que uma criança é pura, pois é direta, livre, espontânea, diz o que pensa, não tem filtros. E é certo. Mas nesse caso, mais que pureza, poderemos dizer que se trata de inocência ou ingenuidade. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus (Mt 5, 8)! É uma opção. Tu escolhes ser puro, nas palavras, nos gestos, nas obras, e tratar o outro, os outros, com respeito, delicadeza, com verdade.

O mesmo se pode dizer da humildade. Há pessoas que são de condição humilde, na medida em que a sua condição social e económico-financeira é indigente. Neste caso, não há uma opção, a pessoa não é humilde porque escolheu ser humilde, mas é a condição em que nasceu ou em que caiu. Assim também a pobreza. Pobreza imposta é diferente da pobreza escolhida como modo de vida, em que a pessoa não se deixa escravizar pelos bens que possui, mas administra-os de tal forma que sejam benéficos para si, para a família, para a sociedade. A pessoa realiza-se pelo trabalho, transformando positivamente o mundo e melhorando as condições sociais de pessoas e povos. Há pessoas ricas em bens que são gananciosas e há pessoas pobres em bens que são avarentas. Ser pobre de espírito, a chamada pobreza evangélica, só pode ser uma decisão consciente. Nunca imposta!

Repescamos as palavras de um jovem padre italiano, Luigi Maria Epicoco, e que ajudam a clarificar a questão que nesta semana aqui vos quero apresentar.

Conjuguemos autoestima, insegurança e humildade. “Quem é inseguro (em sentido patológico) não se entrega, porque está demasiado ocupado a tratar de si próprio, a tratar de sobreviver a todo o custo. Este não é o cuidado de quem ama, são os cuidados de quem, apenas, sobrevive, de quem não consegue viver as relações com os outros senão na medida em que lhe interessam”.

Alguém inseguro torna-se demasiado dependente da opinião dos outros, mas, com efeito, está centrado em si mesmo. A aparente humildade será apenas uma capa, um disfarce, a atrair atenção e valorização. Um modelo importante é são José. “Hoje em dia faltam pessoas qua saibam viver como são José, pessoas capazes de cuidar do mundo, de o guardar e de o amar, como um pai ama o filho, tornando-o livre e não dependente. Esta é a paternidade necessária para todos nós, e que só conseguimos viver nas relações com os outros quando sentimos que nos afaga. Se tivéssemos de arranjar uma referência sã para sermos cristãos, ela seria José de Nazaré, um homem silencioso e criativo. É um homem concreto que encontra soluções… e depois afastou-se, após cumprir o seu dever… agir e desaparecer. Não o desaparecer de quem, depois, se entristece por ninguém ter reconhecido o seu trabalho, mas de quem não precisa de nada e, por isso, se vê como inútil, isto é, não precisa de lucro, não procura o lucro. Não deveríamos procurar a gratidão dos outros, deveríamos experimentar uma profunda alegria em nos afastarmos, em nos sentirmos verdadeiramente inúteis. «Inúteis», no Evangelho, significa sentirmo-nos tão amados e valiosos ao ponto de não termos de procurar outro ganho. Neste sentido, dizemos «inútil»: não no sentido de não valermos nada, mas que valemos tanto e nos sentimos tão cheios deste valor que não precisamos de procurar mais nada para nos satisfazer ou que nos digam que temos valor. Este motivo pelo qual nos podemos permitir ser inúteis”.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 94/30, n.º 4758, de 12 de junho 2024.

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