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In Memoriam do P. Lucas Pedrinho (1919 – 2014)

(In Memoriam)

No passado dia 6 de junho, completaram-se 10 anos do falecimento do meu tio e padrinho, Padre Lucas Ribeiro Pedrinho. O que me motivou a diferenciar esta data foi ter a possibilidade de recordar a sua vida e obra, refletidas no homem, no padre e no professor, para que a memória nunca se extinga e jamais se esqueça.

Para concretizar este propósito, socorri-me dos diversos relatos publicados em vários espaços de opinião e comunicação, pelos muitos amigos que conviveram com o Padre Lucas, destacando, muito especialmente, o Irmão Marista, José Luís Pedrinho, seu sobrinho, que o acompanhou e privou intensamente, nos últimos 20 anos da sua vida.

O Padre Lucas Pedrinho nasceu em Magueija, concelho de Lamego, em 18 de maio de 1919. Frequentou os dois Seminários da Diocese de Lamego, sendo ordenado sacerdote em 26 de junho de 1942, na Igreja Paroquial de Vila da Ponte, Sernancelhe, em cerimónia presidida pelo Bispo D. Agostinho de Jesus e Sousa.

Após a sua ordenação foi colocado nas paróquias de Vale de Figueira a Velha e São João da Pesqueira. Mais tarde, em 20 de julho de 1945 foi nomeado para a paróquia de Caria e Carregal. Em 22 de setembro de 1976 foi-lhe também destinada a paróquia de Lamosa. Em 2 de outubro de 2002 foi dispensado da missão de pároco e confiada a capelania do Mosteiro das Irmãs Dominicanas Contemplativas, no monte de Nossa Senhora dos Remédios.

Viveu os últimos anos na sua casa de Lamego. Tendo tido uma breve passagem pela Casa de S. José, veio a falecer, no dia 6 de junho de 2014, na Santa Casa da Misericórdia de Moimenta da Beira, casa que ele fundou e dirigiu, como provedor, durante muitos anos.

Ao longo da sua longa vida foi significativamente relevante a sua abordagem da vida prática, a subtileza nos temas que abordava, uma invulgar aptidão na condução dos assuntos das organizações que liderava, com simpatia, sentido do dever e capacidade de mobilização, bem como a diversidade de atividades em que se envolveu.

Da vasta obra, atribuída à iniciativa do Padre Lucas, que se perpetuou no espaço e no tempo, com a sua marca indelével, enumeram-se o alindamento da ermida-miradouro da Senhora da Guia, a edificação das igrejas de Granja do Paiva (Caria) e de Aldeia de Santo Estêvão (Carregal), a modernização da igreja nova de Lamosa e a recuperação da anterior.

Ao Padre Lucas se deve a criação e direção do Centro Social Paroquial de Lamosa, do Centro Social Paroquial de Caria e das primeiras diligências para a criação do Centro Social de Carregal, hoje também com a valência de Lar da Terceira Idade. Foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Moimenta da Beira, durante largos anos, pontificando na construção, direção e posterior ampliação do Lar da Terceira Idade de Moimenta da Beira.

Já em idade mais avançada, concluiu uma licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que lhe permitiu abrir horizontes para outro dos seus grandes desígnios: estimular e difundir o estudo e o conhecimento, sobretudo da história, através do ensino. Este padre e pedagogo, foi também um “padre pregador”. Lecionou no ensino público e privado. Depois de dois anos de profissionalização na Escola Preparatória de Castro Daire, fixou-se como professor efetivo da Escola Preparatória de Moimenta da Beira (disciplinas de Português, História de Portugal e Estudos Sociais), onde cumpriu um mandato como Presidente do conselho diretivo, durante o qual testemunhou a construção da nova Escola Básica (EB 2/3).

Estabeleceu pontes com o poder político, que nunca serviu, conheceu e conviveu com várias personalidades, como Aquilino Ribeiro, com o qual trabalhou na defesa local dos baldios e a quem, como outros sacerdotes, forneceu a colaboração linguística e etnológica retratada em muita da obra literária de Aquilino.

Como se pode deduzir da descrição ora apresentada, sendo um homem simultaneamente de firmeza de convicções e aberto às opiniões dos outros, nunca cedeu à comodidade do conhecimento adquirido ou da experiência acumulada. Sempre quis ir mais além, levado por uma forte tenacidade. A diversidade de ocupações, aliada a um cuidado com a saúde, confluiu num considerável tempo de jubilação sacerdotal, durante o qual, enquanto lhe foi possível, ainda prestou colaboração, como capelão, às irmãs dominicanas contemplativas, no Mosteiro de Nossa Senhora da Eucaristia, em Lamego.

Considerando que foi já descrito, de forma necessariamente muito resumida, a importância da obra e o pensamento  institucional do Padre Lucas Pedrinho, que tanto orgulho trouxe aos seus familiares e amigos, reservo para o que resta deste escrito, uma abordagem mais privada e  intimista, partilhada com o Irmão Marista, José Luís Pedrinho, seu sobrinho, que foi um confidente privilegiado, na caminhada final dos últimos 20 anos de vida, destacando e enaltecendo o acompanhamento total, nos momentos de doença, que cuidou de forma exemplar, até ao último suspiro do seu tio.

No 93º aniversário, já com as marcas severas do evoluir da idade escreveu:

“Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. (Ricardo Reis)

Venho aqui, já na passagem do dia 18 para 19 de maio (só agora consigo sentar-me um pouco e escrever), para assinalar mais um aniversário do meu tio padre Lucas. 93 anos de vida. Longa vida, vida com sentido. Vida vivida na intensidade de cada momento.

 Uma singela homenagem a um homem corajoso, de convicções fortes. Quedas? Também as teve e continua a ter de vez em quando. Ainda há uns dias caiu num empedrado, arranhando um pouco o “cromado”. Mas depois das quedas há que levantar-se, e ei-lo de novo, recuperado, a fazer as suas caminhadas diárias. Ao fim da manhã de hoje, dizia-me:

– Já fui celebrar a missa à Sé e cortar o (pouco) pelo. A seguir, vou almoçar com os meus amigos.

Afinal, continua a celebrar cada aniversário e a viver cada dia com a mesma alegria e o mesmo entusiasmo de sempre.

Parabéns, tio, pelas lições de vida. Obrigado por ser quem é.”

Mensagem de 8 de junho de 2014, dois dias após o falecimento:

“Esta é a hora de existires

dentro do sono

que te embalou para a eternidade.

Uma longa hora de noa

que deixa uma dor a doer

nas paisagens íngremes do tempo.

Esta é a hora

de recolher palavras regressadas

e gestos cúmplices

guardados nos baldios férteis da memória.

Hora dos olhares poisados

no lado de lá do que somos

onde existe vida a seguir à vida.”

 Em 17 de outubro de 2014;

VOZES PÓSTUMAS

Viagem por lugares outrora felizes. Surge triste o dia. Ainda no início, já é muito tarde, noite antecipada. Inverno, deve ser inverno. Frio na paisagem que se avista a andar no sentido contrário ao movimento do carro. Que chuva me molha e que névoa ofusca os caminhos tantas vezes percorridos.

Paragem. Entrada em casa emprestada nos últimos tempos. Apareces com um sorriso rejuvenescido.

– Olá! Onde tens o carro?

– Longe – Respondo. Longe, num lugar ancorado no passado.

Estendes-me o braço como quem se quer precaver contra o que está para vir.

– Sabem quem é este senhor? – Lanças a pergunta ao auditório, para te colocares de novo no jogo para o ganhar. Sim, já sabem quem sou, mas deixam-te avançar com a novidade conhecida.

Sentados, pomos a conversa em dia. As notícias sempre novas, mesmo as do passado, dezenas de vezes contadas. Sentes-te bem ali, embora por momentos penses estar noutro lugar. Não faz mal, eu entendo-te. As palavras só baralham.

– Onde queres ir? – Perguntas de novo, como se fosses ainda tu a levar-me a lugares que eu não conheço. Agora não, quero-te aqui. Faz frio fora!

Tenho de regressar. Vou-te preparando para mais uma despedida.

– Então, vamos!

– Para onde? – Pergunto.

– Para casa – rematas.

Não, não podemos ir. A tua casa agora é aqui.

– Quando voltas?

– Amanhã.

Mas amanhã é cada vez mais longe!

Em 6 de junho de 2015, um ano após o falecimento:

“Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações. (…) A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração;” (Sir 44, 1; 13-14)

Um ano após a tua partida, permaneces inteiro na saudade que não se apaga.

Epílogo

“O tempo de Deus é o melhor de todos os tempos.
Nele, vivemos, movemo-nos e existimos enquanto Ele assim quiser. (…)

Ah, Senhor, ensina-nos a considerar
Que temos que morrer
Para nos tornarmos sábios. (…)

Nas Tuas mãos confio a minha alma.
Tu me redimiste, Senhor, ó Deus fiel! “

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

(Cantata BWV 106)

Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit (O tempo de Deus é o melhor de todos os tempos)


Hélio Pedrinho, in Voz de Lamego, ano 94/30, n.º 4758, de 12 de junho 2024.


Agradecimentos:

– Voz de Lamego;

– Exmo. Sr. Cónego Hermínio (paróquia de Magueija)

– Todos os familiares, amigos e colaboradores do padre Lucas Pedrinho

– Ir. José Luís Pedrinho

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