O filósofo Nietzsche, na lógica do super-homem, defende o “humano, demasiado humano”, ir além do humano. Josep Maria Esquirol propõe a filosofia da proximidade, “humano, mais humano”, na procura, não de ir além da humanidade, mas ir ao mais profundo.
São João Paulo II, na sua primeira Carta Encíclica, Redemptor Hominis (O Redentor do Homem), acentua a máxima da Gaudium et Spes (22): Jesus Cristo revela o homem ao homem. «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem. Adão, de facto, o primeiro homem, era figura do futuro (Rom 5, 14), isto é, de Cristo Senhor. Cristo, que é o novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu Amor, revela também plenamente o homem ao mesmo homem e descobre-lhe a sua vocação sublime». E depois, ainda: «Imagem de Deus invisível (Col 1, 15), Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que n’Ele a natureza humana foi assumida, sem ter sido destruída, por isso mesmo também em nosso benefício, ela foi elevada a uma dignidade sublime. Porque, pela sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos de homem, pensou com uma mente de homem, agiu com uma vontade de homem e amou com um coração de homem. Nascendo da Virgem Maria, Ele tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado». Ele, o Redentor do homem» (RH 8).
É uma perspetiva que parte da fé e nos remete para o Evangelho da Encarnação. Jesus faz-Se um de nós, assume a nossa condição humana, a nossa fragilidade e finitude, mas também nos humaniza. Ele não vem para Se sobrepor ou para aniquilar a humanidade, revelando um caminho alternativo. Não. Ele ajuda-nos a perceber que quanto mais humanos formos mais perto estamos de nos reconhecermos como irmãos.
Diz-nos, por sua vez, Fyodor Dostoevky, “O Homem é um mistério, deve ser desvendado. E se então levar uma vida inteira, não digas que é um desperdício de tempo. Eu estou preocupado com este mistério porque quero ser um ser humano”.
Jesus encarna, assume-nos por inteiro, caminha connosco, ajuda-nos a perceber o caminho para chegar a Deus. Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim (Jo 14, 6-14). Abaixa-Se para nos elevar com Ele, o que passa pela ternura e pela bondade, pelo amor e pelo serviço, pela verdade e pela justiça, pela humildade e inclusão, pela compaixão e pelo perdão, pela caridade fraterna e pela transformação do mundo, para que seja casa de todos e para todos. Não se trata de desumanizar ou superar a humanidade, trata-se de aprofundar o que nos humaniza, nos aproxima uns dos outros, e nos liga a Deus e aos irmãos.
Esquirol propõe, nesta obra, publicada em Portugal pelas Paulinas Editora, uma filosofia sem luxos e intrinsecamente pobre, “ao serviço da ação e da orientação da vida. Que a reflexão sobre a vida deve intensifica-la. E que a reflexão sobre o mal deve ajudar a combatê-lo. Que uma boa teoria deve ser, em si mesma, gesto e ação”.
O título do livro surge do diálogo ininterrupto com Nietzsche. Mas, contraponto, “ser mais humano não significa ir para lá do humano”. O mais importante não é o que se encontra mais longe, mas o mais profundo. “Uma civilização mais humana leva-nos a fazer do mundo um lar e não a abandonar o lar para dominar o mundo; que uma cultura mais humana não é uma cultura timorata nem niilista, mas aquela que sabe que não existe força intensada que se conjuga com o sentido. Na debilidade, no humano, na vulnerabilidade…, neste demasiado que, na verdade, é um mais, lateja a pulsação da verdade”.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/38, n.º 4669, 10 de agosto de 2022
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