Ou talvez não. Ou teremos que entender melhor o que significa heroicidade!
Celebrámos a solenidade de Todos os Santos e a comemoramos os Fiéis Defuntos, dois dias que se interligam e de forte devoção entre nós, mobilizando sentimentos, pessoas, sem descurar também a parte mais comercial. Por convicção ou para que os outros não detetem esquecimento ou desmazelo, investe-se um pouco mais para que as campas dos cemitérios estejam mais floridas. O desvelo revela a saudade e a ligação aos que já partiram. Cada um faz o luto à sua maneira e há pessoas que todos os dias vão ao cemitério falar com os seus familiares falecidos, cujos restos mortais aí se encontram. E alguns fazem-no com saudade, agradecidos, mas também sem resquícios de um luto doentio e viciante.
Vivemos a Semana dos Seminários sob o tema: «Não te envergonhes de dar testemunho de Cristo» (cf. 2 Tim 1,8). Na verdade, nem sempre é fácil dizermos que somos cristãos, que pertencemos à Igreja de Cristo, a esta Igreja, santa, católica, apostólica, romana. Quando o ambiente é propício, sim, orgulhamo-nos de ser parte. A igreja somos nós, em Cristo, Ele a cabeça, santo e impecável, e nós os membros, pecadores, sujeitos a falhar, distanciando-nos de Deus e dos outros. Há dias que não é fácil ou não é conveniente dizermos o que somos!
O testemunho é uma característica incontornável do cristão, simultaneamente discípulo, aprendiz, aluno de Jesus Cristo, e apóstolo, missionário, evangelizador. O encontro com Jesus desperta-nos para o anúncio. Não é possível guardar para nós a maior alegria da história dos homens e do mundo: mistério pascal de Jesus que nos redime e nos salva, inserindo-nos na vida divina, não como herdeiros, mas como filhos, de pleno direito.
Jesus é perentório: «O que Eu vos digo às escuras, dizei-o às claras, e o que ouvis com os ouvidos, proclamai-o sobre os telhados. Todo aquele que me confessar diante dos homens, também Eu o confessarei diante do meu Pai que está nos céus. Porém, aquele que me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10, 27.32-33). No texto paralelo de Lucas, Jesus, abordando as perseguições, garante: «Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis como haveis de vos defender ou com o que haveis de dizer, pois o Espírito Santo vos ensinará, naquela hora, o que é necessário dizer» (Lc 12, 11-12).
A solenidade de Todos os Santos faz-nos olhar para os santos de todos os dias, que encontramos dentro de portas ou na vizinhança. Há acontecimentos e pessoas que fazem avançar a história, mas a consistência de uma família e de um povo faz-se de muita resiliência, de muita persistência, num trabalho quase manual de quem tece a vida como se tece uma manta a partir de muitos retalhos. A abelha-rainha é importante, mas o favo constrói-se e mantém-se pelas abelhas-trabalhadoras. A história da Igreja venera, não heróis, mas santos, cuja santidade aproximou e continua a aproximar de Jesus Cristo. A maioria não ficou registado em livros, nem em monumentos ou acontecimentos extraordinários, mas, com a sua vida, o seu amor e o seu cuidado, ajudaram a construir de um mundo fraterno, materno, saudável.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/49, n.º 4679, 2 de novembro de 2022