A busca da perfeição é inerente ao ser humano: querer mais, conhecer mais, ser reconhecido e ser amado por mais pessoas, evoluir, ter controlo das suas emoções e sentimentos, descobrir o mundo inteiro nos livros e nas viagens, na arte e na cultura, na proximidade ou até ao fim do mundo. No dizer de B. Pascal, “o homem ultrapassa infinitamente o homem”. O homem não cabe em si mesmo, tende a buscar-se até ao infinito; constitutivamente limitado e finito, procura sobreviver para lá do tempo e da materialidade, além das fronteiras do seu corpo e do seu espírito.
No Evangelho, Jesus desafia-nos: «Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Mas esta perfeição não tem a ver com prepotência, sobranceria, mas com amor, amar do jeito que Deus nos ama ao ponto de, em Jesus, nos oferecer a Sua vida. Em são Lucas, em vez de perfeição fala-se em misericórdia: «Sede misericordiosos como o Vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36). A finalidade é a mesma: amar, até os inimigos, pois Deus nos ama antes de o merecermos, sem reservas, condições, sem exigências. Ama-nos porque é Pai. Ama-nos! Cria-nos por amor e por amor abaixa-Se para O descobrirmos, para O vermos, aprendendo que o caminho que nos salva passa pela compaixão e pela fraternidade.
Como conjugar a busca da perfeição com a aceitação da nossa fragilidade?
No final, as duas realidades encaixam-se admiravelmente! Só aquele que se reconhece a caminho, necessitado dos outros, pode viver em modo de aprendizagem, de busca, de escuta, captando o que o rodeia. Uma pessoa encerrada na sua perfeição é uma estátua, um cubo perdido no meio do jardim, uma figura geométrica sem abertura, sem possibilidade de se mover, nem interiormente, nem em direção aos outros.
Reconhecer a própria fragilidade, dá-nos a oportunidade de reconhecer e acolher os outros com as suas feridas, cansaços e dores. “Creio, sublinha o poeta Daniel Faria, que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as suas limitações. Quem recusa aos outros a sua pequenez, comete um dos mais infelizes gestos de prepotência. E porque aí se rejeita, aos outros não poderá dar senão o sofrimento da perda. Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres”.
Não se trata de baixa autoestima ou um truque de auto-humilhação para suscitar nos outros pena, compaixão, aprisionando! Trata-se de se colocar ao mesmo nível, como iguais, pois só dessa forma seremos sujeitos de humanidade. “A experiência da vulnerabilidade é o caminho mais direto para nos conduzir, sedentos, ao coração… Só a partir de baixo, da terra de que somos feitos, no reconhecimento da própria indigência, a fraternidade pode ganhar corpo. Eu não me faço irmão do outro, eu descubro-me irmão do outro. A nossa pequenez, ao contrário do que pensamos, é o melhor que temos para partilhar com os outros, porque quando a assumimos, somos imensamente mais livres e possibilitamos ao que se aproxime de nós” (Carlos Maria Antunes).
Neste caminho, em tempo de Quaresma, sintonizamos com Jesus. Na verdade, «Ele que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz» (Filip 2, 6-8).
Quando nos sentarmos com Ele, em quinta-feira santa, na Última Ceia, veremos como Ele se coloca de joelhos à nossa frente, para nos olhar a partir de baixo, da terra, chão sagrado onde podemos encontrar-nos e descobrir-nos como irmãos.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/18, n.º 4698, 22 de março de 2023