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Estatuto do cuidador informal na legislação

Passei a tomar conta da minha mãe desde que sofreu um AVC e agora? 

“SÓ PEDIMOS DIGNIDADE E CONDIÇÕES PARA CUIDAR COM AMOR”

O Estatuto do Cuidador Informal foi introduzido na Legislação Portuguesa por força da Lei 100/2019, de 6 de setembro. A verdade é que, em Portugal, existem mais de dois milhões de pessoas dependentes da presença de uma terceira pessoa junto deles para a prestação de cuidados continuados, consubstanciando a maior taxa de necessidade de cuidados domiciliários informais da Europa. Por todos esses motivos, e ainda que o legislador tenha penado em fazê-lo, as alterações legislativas têm sido muitas, numa tentativa de proteger as carências de pessoas em situação de dependência, nunca esquecendo quem escolhe comprometer suas vidas – a todos os níveis – para se consagrar a 100% a elas.  Infelizmente, a atribuição do Estatuto de cuidador informal não é tão fácil quanto parece, pressupondo o preenchimento de rigorosos requisitos, os quais continuam sem proteger o são desenvolvimento pessoal e profissional de quem cuida. 

A última alteração foi efetivada pelo Decreto-Lei n.º 86/2024, de 6 de novembro, a qual permitiu alargar horizontes na resposta à pergunta “quem pode ser considerado cuidador informal?”  Vejamos, aprovou que o cuidador informal fosse uma terceira pessoa que pode ter – ou não – laços familiares com a pessoa cuidada, cuidando a título principal ou não. E é exatamente aí que nasce a grande diferença entre o cuidador informal principal e o cuidador informal não principal. O cuidador informal principal deve acompanhar a pessoa cuidada de forma permanente, viver em comunhão de habitação e não auferir qualquer remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta. Por sua vez, o cuidador informal não principal deve acompanhar a pessoa cuidada de forma regular, mas não permanente, podendo auferir ou não retribuição de atividade profissional ou pelos cuidados que presta aquela. 

Exige a lei que o cuidador resida legalmente em território nacional, tenha idade igual ou superior a 18 anos e alegue condições de saúde adequadas para prestar os cuidados necessários. A alteração legislativa distingue requisitos quando haja – ou não – laços familiares, descomplicando o processo de reconhecimento do Estatuto de cuidador informal. Assim, o cuidador e a pessoa cuidada poderão não ter laços familiares, mas deverão coabitar juntos. Havendo laços familiares, a partilha do domicílio fiscal deixa de ser obrigatória. 

Por sua vez, a pessoa cuidada deve reunir determinadas condições: encontrar-se numa situação de dependência de terceiro com necessidade de cuidados permanentes, não se encontrar inserida em nenhum mecanismo social ou de saúde em regime residencial e auferir da prestação social de complemento por dependência de 2.º grau ou de 1.º grau, consoante a situação em análise.  Igualmente importante, há uma consagração de direitos dos cuidadores informais, nomeadamente, o reconhecimento do papel de desempenho, formação proveniente de profissionais de saúde bem como o gozo de períodos de descanso e apoio psicológico. 

Mas e quem cuida dos cuidadores? Esta é a pergunta que muitos fazem. A consagração legal não chega quando a prática não segue o mesmo rumo. Os cuidadores informais sentem-se cada vez mais abandonados, ansiosos, exaustos e isolados. Pois, trabalham todo o ano, todas as semanas e todos os dias sem qualquer interrupção. Sem dias de descanso, sem férias, isolando-se de tudo o que é vida social e profissional. 

A verdade é que ainda há muito para adaptar a nível legislativo para que possam alcançar um são desenvolvimento da prestação de cuidados aliada à vida pessoal e profissional que todos nós temos, constitucionalmente, direito a ter e isto independentemente dos desafios que a vida nos obriga a assumir e cuidar. Particularmente, a valorização do descanso do cuidador conjuntamente com o apoio psicológico, ambos imprescindíveis para a sanidade mental de todos eles, A possibilidade de serem pessoas sem laços familiares, travada pela obrigação de coabitação, quando bem sabemos que existem inúmeras situações em que os cuidadores são vizinhos ou amigos. A proibição de auferir remuneração proveniente de uma atividade profissional ou prestações de desemprego, obrigando o cuidador a abandonar a sua vida laboral, promovendo precaridade laboral, risco de pobreza e posterior difícil reintegração no mundo laboral.


Karen Yanna Vingadas, Advogada, in Voz de Lamego, ano 95/2, n.º 4779, de 20 de novembro de 2024.

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