Agora que a semana que vai colocar Portugal no centro do mundo católico chegou, podemos dar as boas-vindas a todos os portugueses treinadores de bancada que se dedicam a conjugar as mais variadas opiniões sobre a escolha do nosso país para o grande palco das Jornadas Mundiais da Juventude. Os jornalistas pés-de-microfone, acríticos, apenas portadores de um sentido vazio de discussão da realidade, de uma espécie saudosista de Prós-e-Contras, foram para as ruas medir o pulso dos indignados. Claro, em Lisboa, apenas. E até batizaram uma área urbana como a rua da indignação, porque havia meia dúzia – estou a ser generoso, como bom cristão – de graffitis nas paredes com frases simples, de contestação. Com aquela indignação de rua não se faziam revoluções. Salgueiro Maia ficaria envergonhado, certamente.
Nessas reportagens, que são, no fundo, apenas saídas de uns quantos jornalistas, os portugueses treinadores de bancada entrevistados mostraram o cardápio de reclamações, azedumes e dissonâncias sobre o facto de Portugal acolher as jornadas. Os argumentos são muito divertidos, mas pouco variados, o que me desiludiu perfeitamente. Espera mais do povo português. Nem para criticar vilmente conseguimos estar à altura. O principal azedume tem que ver com uma razão profundamente demagógica, incomparável. O dinheiro investido na JMJ, por parte do Estado Português, qualquer coisa como 40 milhões de euros, deveria ser utilizado “noutras coisas mais importantes”, como “os pobres”, “quem não tem casa”, etc. Pago bom dinheiro para quem encontrar pessoas que defendam o contrário, que os pobres devem ser ostracizados e as casas entregues apenas aos milionários. A segunda parte, a da relação, é que já não faz sentido. Vamos dar de barato a ideia de que é uma despesa supérflua. Pensemos naquilo que é a nossa vida particular. Usamos o dinheiro que temos, a 100%, para fins absolutamente imaculados de crítica? Em vez de fumarmos, por que não investimos aquele dinheiro no ginásio? Em vez de um café, por que não fazemos uma doação a uma instituição? Em vez de copos com amigos, não deveríamos comprar um bom livro, capaz de nos abrir portas? Está visto que não.
É um argumento clássico, na linha do mesmo que responsabiliza toda a riqueza que o Vaticano tem pela pobreza que existe no mundo. Como se fosse uma espécie de antídoto. Como se isso fosse sequer possível, acabar a fome no mundo de forma mágica, ao estilo de um “delete” digital. 20 anos depois do Euro 2004 poucos são aqueles que se insurgem contra os estádios de Aveiro, Leiria, Coimbra, que pouco mais são do que recintos de um silêncio milionário.
O argumento da confusão, da muita gente. De não poder sair de casa. Dos transportes. Da elite lisboeta que podia perfeitamente sair da bolha em que vive para, assim na loucura, conhecer o país que fica para lá de Vila Franca de Xira. Nos festejos do Benfica, no Rock in Rio, ninguém se opõe às restrições de trânsito.
Estou longe de grandes moralismos, porque, muitos dos debates que povoam o espaço público não são mais do que simulacros de democracia. O silêncio seria uma boa arma. A Igreja está milenarmente habituada a ter as costas largas da responsabilidade dos males do mundo. Nas são as JMJ que a vão atemorizar.
Fábio Ribeiro, in Voz de Lamego, Ano 93/38, n.º 4718, de 23 de agosto de 2023