O processo de insolvência é um procedimento especial com regras definidas no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto), pelo qual uma empresa ou individuo é declarado insolvente e que se destina a permitir a liquidação ordenada ou a recuperação financeira da empresa ou do indivíduo. É um processo formal que é geralmente iniciado pelo próprio devedor ou por um dos seus credores. Quando as dívidas são muitas, e na ausência de alternativas para ultrapassar o sobre-endividamento, o devedor tem como única alternativa requerer a declaração de insolvência.
A apresentação à insolvência faz-se por meio de petição escrita, por parte de um solicitador ou advogado, onde são expostos os factos que integram os pressupostos da impossibilidade de cumprimento com as obrigações vencidas de uma pessoa singular ou coletiva. Havendo escassez de meios económicos para contratar um advogado ou solicitador, o devedor poderá recorrer ao apoio judiciário junto da Segurança Social.
Durante o processo de insolvência, um administrador é nomeado pelo tribunal para gerir os ativos e passivos da empresa ou do indivíduo insolvente e trabalhar para encontrar uma solução para as dívidas pendentes. Os credores são informados do processo e têm a possibilidade de votar em qualquer plano de recuperação proposto ou plano de liquidação.
Apesar de ser uma alternativa que evita que um indivíduo fique eternamente com dívidas que não consegue pagar e que recupere financeiramente, desta opção podem advir graves consequências para a vida do devedor, nomeadamente ficar privada da administração dos seus bens, bem como ficar condicionado em termos de autonomia financeira.
Após declarada a insolvência, esta poderá levar à liquidação do património do devedor ou à apresentação de um plano de insolvência com o intuito de recuperação do mesmo (património). O plano de insolvência (PI) surge no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), no artigo 192.º, que determina como principais objetivos regular o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos credores e pelo devedor, assim como a responsabilidade do devedor depois de terminado o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência.
Na ausência de um plano de insolvência, o tribunal decreta a venda dos bens do devedor (por exemplo, a casa e o carro) para o pagamento das dívidas. Durante a pendência do processo, os credores apenas poderão exercer os seus direitos no âmbito do processo de insolvência, deixando de poder instaurar ações independentes ou continuar a prosseguir outros processos à margem do processo de insolvência, ou seja, todas as ações executivas pendentes sobre os bens da pessoa insolvente, como penhoras, ficam suspensas. Desta forma se garante a intangibilidade do património do devedor, já que a massa insolvente deixa de poder ser utilizada como garantia geral de outros créditos que não aqueles que sejam exercidos no processo de insolvência.
A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (ex.: custas judiciais, honorários do administrador da insolvência), e abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e os bens e direitos que adquira na pendência do processo.
Após pagamento das dívidas da massa insolvente, nomeadamente, as custas do processo, os honorários e despesas do administrador da insolvência, os créditos devidamente verificados e graduados serão satisfeitos na seguinte ordem:
1.º – Créditos garantidos– São os créditos que beneficiam de garantias reais, como de hipoteca, penhor, privilégios creditórios especiais, direito de retenção, entre outros.
2.º – Créditos privilegiados– são os créditos que beneficiam de privilégios creditórios gerais, mobiliários ou imobiliários. Os privilégios creditórios gerais são aqueles que incidem sobre a generalidade dos bens do devedor.
3.º – Créditos comuns– são os créditos que beneficiam apenas de garantias pessoais, tais como a fiança e o aval pessoal; créditos que beneficiam de garantia real de natureza processual como a penhora, o arresto e a hipoteca judicial.
4.º – Créditos subordinados- os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, pessoa singular ou pessoa coletiva; os créditos por suprimentos detidos pelos sócios de sociedades por quotas ou sociedades unipessoais por quotas; entre outros.
A reclamação de créditos assume um papel fundamental, pois os credores que não a apresentarem sujeitam-se a perder a possibilidade de poder vir a obter pagamento, total ou parcial, no processo de insolvência.
Se com a venda dos bens, as dívidas não forem liquidadas na sua totalidade, o devedor continua responsável por elas, mesmo após o encerramento do processo de insolvência. Para evitar esta situação, pode ser feito um pedido de perdão da dívida que não seja liquidada durante o processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento do processo –a exoneração do passivo restante.
A exoneração do passivorestante é um regime que se aplica apenas na insolvência pessoal e que permite aos devedores pessoas singulares o perdão das suas dívidas que não sejam integralmente pagas no processo de insolvência.
Volvido o prazo de três anos sobre o encerramento do processo de insolvência pessoal, o devedor pode obter o perdão de todas as suas dívidas que não foram, entretanto, pagas.
Havendo luz verde, e a exoneração do passivo for concedida, ao devedor ser-lhe-á imposto o pagamento de uma quantia calculada de acordo com o seu rendimento mensal.
No decorrer de três anos, o devedor terá que ceder todos os rendimentos que auferir durante os três anos do período de cessão que excedam: o montante considerado pelo Tribunal (cujo valor não pode exceder três vezes o salário mínimo nacional, que é de 760 euros, em 2023) como sendo razoavelmente necessário para o sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar e o montante necessário para o exercício da atividade do devedor.
Findo o prazo dos três anos, o devedor insolvente deixa de estar definitivamente obrigado a pagar as dívidas que ficaram por cumprir. Na exoneração final não ficam perdoadas as dívidas em relação aos créditos tributários nem aos créditos da Segurança Social, multas, coimas, indemnizações e pensões de alimentos.
Porém, durante o período de três anos de cessão, a Autoridade Tributária e a Segurança Social não podem promover nenhuma penhora sobre o insolvente. Durante o mesmo período, parte da receita dos pagamentos feito pelo insolvente será destinado ao pagamento das dívidas às Finanças e à Segurança Social.
Patrícia Maravilha, solicitadora, in Voz de Lamego, ano 93/24, n.º 4704, 3 de maio 2023