E a tristeza de Jesus em relação a Judas, a Pedro e aos demais apóstolos.
O deslumbre mostrado pelos estranhos nem sempre tem a mesma acutilância juntos dos amigos e familiares, junto daqueles que estão mais próximos ou, pelo menos, mais perto. Na sua terra natal, Nazaré, Jesus manifesta estranheza, ou talvez não, pela recusa no acolhimento da Sua mensagem e do Seu ministério: “Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e em sua casa” (Mc 6, 4). “Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria” (Lc 4, 24).
Peter Parker, que veste a pele do Homem Aranha, como super-herói, é capaz dos maiores feitos! Como qualquer herói. Porém, não impede a morte do tio Ben nem o sofrimento da tia, May. Lida com os sentimentos, como qualquer mortal, e não consegue conciliar os sentimentos por Mary Jane com a sua missão. É certo que está por perto para a salvar, mas não é capaz de lhe confiar a vida. Na verdade, a relação envolveria riscos, mas qualquer relação/relacionamento humano está pejado de riscos, de incertezas e esperanças, de dúvidas, de avanços e recuos, de caminho. É herói para quase todo o mundo, mas não o é para os que lhe são mais próximos e não consegue protegê-los do sofrimento.
A princesa Diana foi (e continua a ser, apesar da tragédia) uma personalidade idolatrada por muitos. Quase se diria, como em relação a outros heróis sensacionais, que o mundo inteiro a admirava! Mas há uma exceção significativa e surpreendente: o seu marido. Admirada e seguida por milhares ou milhões de pessoas, e a pessoa que ela necessitava de “convencer”, que a amasse de verdade, não a podia ver! Não se trata, aqui, de fazer juízos de valor sobre responsabilidades de um e de outro, ou das circunstâncias familiares e da realeza, mas tão somente de fazer uma constatação. O sucesso e a fama mundiais não lhe granjearam a estima nem o amor do seu príncipe, nem da Rainha! Tanto quanto transpirou para a comunicação social.
Falecida no mesmo ano, em 1997, com diferença de poucos dias, a Madre Teresa sublinha, precisamente, o paradoxo: «É fácil sorrir às pessoas que estão fora da nossa casa. É fácil cuidar das pessoas que não se conhecem bem. É difícil ser sempre solícito e delicado e sorridente e cheio de amor em casa, com os familiares, dia após dia, especialmente quando estamos cansados e irritados. Todos nós temos momentos como estes e é precisamente então que Cristo vem ter connosco vestido de sofrimento».
Vale a pena recordar e prosseguir com as palavras de Santa Teresa de Calcutá: «O amor começa na própria casa e continua na própria casa, onde nunca faltam ocasiões de o demonstrar. A casa é o primeiro lugar onde é necessário praticar o amor e o espírito de serviço… Conheceis realmente os vossos familiares, os vossos vizinhos, as pessoas que frequentais? Preocupais-vos com a sua felicidade? Procurai, antes de tudo, fazer isto e, depois, podereis pensar também nos pobres da Índia ou de outros países».
Jesus conhece os Seus discípulos e cuida deles, prepara-os para as adversidades e para o tempo em que estará fisicamente ausente. Não desiste deles. De nenhum. Privilegia a cumplicidade com eles, reserva tempo para lhes explicar a Palavra, para os despertar para os mistérios divinos. Não desiste de Pedro nem de Judas, ainda que este se tenha perdido, pelo menos humanamente! O Seu olhar é penetrante, envolvente, acolhedor! Pedro percebe o que fez ao ser trespassado pelo olhar do Mestre e arrepia caminho. Em Judas prevalece o remorso, talvez por ter sido o discípulo mais próximo de Jesus. Fecha-se ao olhar redentor do Mestre!
E em relação a Maria, Sua Mãe, Jesus faz o que Ela Lhe pede e, no alto da cruz, dá-lhe a importante missão de ser nossa Mãe. Maria é, na verdade, em todo o tempo, a casa de Jesus, a Sua habitação no meio de nós. Ele quer que também seja casa e refúgio para nós.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/39, n.º 4670, 24 de agosto de 2022