O batizado, condição original dos cristãos, é uma nova criatura, pela identidade, há sê-lo também pela postura. O batismo despoja-nos do “homem velho” e das marcas do pecado, do egoísmo, da morte, para nos inserir no corpo de Cristo, a Igreja, uma vida enformada pela graça do Espírito Santo. Mergulhamos com Jesus na morte, para com Jesus emergirmos ressuscitados, configurando-nos com Ele cada vez mais.
Ele que era de condição divina, diz-nos são Paulo, não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas assumiu a condição de servo (cf. Fil 2, 511). O próprio Jesus deixa claro que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas parar servir e dar a vida por muitos (cf. Mt 20, 28). Se assim é com o Mestre, assim terá de ser com os discípulos. Se Eu que sou Mestre e Senhor vos lavei os pés, lavai também vós os pés uns aos outros (cf. Jo 13, 1-20), pois o discípulo não é maior do que o seu Mestre. Quem de entre vós quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos (cf. Mc 10, 35). Identificamo-nos com Jesus na medida cuidamos uns dos outros, amando e gastando-nos a favor deles.
Robin Sharma, no livro “O monge que vendeu o seu Ferrari”, desafia-nos: “Enquanto te esforçares por melhorar a vida dos outros, a tua própria vida será sublimada ao extremo… quem melhor servir, mais frutos colherá, emocional, física, mental e espiritualmente. É este o caminho para se alcançar a paz interior e a realização exterior”.
Aquela expressão popularizada: se tu não gostares de ti, ninguém gostará, é superada pelo mandamento novo do amor: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei (cf. Jo 1334). Do ponto de vista da psicologia, obviamente que a baixa-autoestima é prejudicial e doentia, temos de nos aceitar na nossa pele, com as nossas fragilidades e insuficiências, valorizando as nossas qualidades. A nossa grandeza é genética, somos filhos amados de Deus, Sua imagem e semelhança. Porém, a expressão acentua, muitas vezes, o egoísmo, viver centrado em si mesmo (egocentrismo), o que pode conduzir ao isolamento, à instrumentalização ou divinização dos outros, provocando ansiedade e pressa em ser aceite por todos. E, então, o que seria desejável, passa a ser uma tortura. O desafio de Jesus é descentrar-nos e colocarmos os outros em primeiro lugar. Melhorando a vida dos outros, em consequência, também a nossa vida há de melhorar.
«Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes» (Chesterton). Esta máxima ilustra bem a vida de Jesus, de Nossa Senhora e de tantas pessoas que souberam ser grandes pelo amor, pelo serviço, por tanto que deram para que o mundo fosse melhor.
Vale a pena resgatar as palavras de Ratzinger /Bento XVI acerca de Maria. “Ela vive de tal maneira que é permeável a Deus, habitável por Ele. Ela vive de tal maneira que se torna um lugar para Deus”.
A oração do Magnificat expressa a humildade de Maria, pois permite que a grandeza de Deus se revele. “Engrandecer o Senhor, sublinha Joseph Ratzinger, isso significa não se engrandecer a si próprio, ao seu próprio nome, ao seu próprio ‘eu’, ampliar-se e reivindicar um lugar, mas dar-lhe espaço a Ele para que se torne presente no mundo. Quer dizer: tornarmo-nos mais verdadeiramente o que somos, não uma mónada fechada que só se representa a si própria, mas imagem de Deus. Significa libertarmo-nos do pó e da fuligem que torna a imagem opaca e a recobre, e tornarmo-nos verdadeiramente pessoas, inteiramente referidas a Deus”.
Criemos em nós espaço para Deus se manifestar e ao Seu amor pela humanidade.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, Ano 93/39, n.º 4719, de 30 de agosto de 2023