1. Tal como a música, a vida também precisa de pausa. À semelhança do som contínuo que satura, também a atividade incessante exaure. E corre o risco de (nos) esgotar.
Acontece que nós deixamos de conseguir viver em «modo de pausa». Nem nas férias — ou nas festas — serenamos. Até nas férias — e nas festas — corremos, exasperamos e gritamos. Mudamos de rotinas. Mas será que mudamos de atitude?
2. Sendo o ruído uma das enfermidades do nosso tempo — assim o notou, entre outros, Javier Aranguren —, repare-se no que se investe na «indústria do ruído».
Multidões flamejantes demandam, noites a eito, concertos onde o ruído atinge níveis dificilmente mensuráveis.
3. Acresce que os custos desta «indústria do ruído» são deveras exorbitantes. E, não obstante, não há local — desde a urbe mais populosa até à serrania mais despovoada — que não promova as suas diversões rijamente orçamentadas.
Pela amostra, o povo sente-se feliz. Muitos são capazes de enfrentar, sucessivamente, noites inteiras embalados com o ruído trepidante que vem dos palcos.
4. Que se segue, entretanto, quando desponta o raiar do dia?
Olhares pesados de sonolência, passos afetados pela ingestão de bebidas com alto teor etílico, horas intermináveis a dormir, entre a indisposição e a moleza. Até à próxima noite de euforia…
5. Eis para onde nos leva a dispendiosa «indústria do ruído»: para uma «felicidade de curta duração».
No fundo, as pessoas nunca estão satisfeitas; há sempre um esgar de frustração, entremeado por vezes de gestos violentos.
6. É verdade que, para a maioria, parece despropositado apostar na «indústria do silêncio».
Curiosamente, a etimologia de «indústria» até remete para a interioridade: «indu» (dentro)+«struere» (construir). A «indústria» será, pois, o que se constrói «por dentro».
7. Eduardo Lourenço concebia a própria música como o «silêncio escutado».
Daí o encanto pela melodia e apreço pela mensagem. O que supera — diria infinitamente — o estrépito atordoante do ruído.
8. Não estará na hora de sermos mais imaginativos?
E de percebermos— como percebeu Kankio Tannier — que é sadio «escutar o silêncio, a calma na tempestade, a passagem do tempo, o sabor de um instante, o fumegar de um prato, o contacto das mãos e o coração que bate»?
9. Não questionamos que «o silêncio é de ouro», mas, pelos vistos, fugimos dele a toda a pressa. Para Pascal, o que nos torna infelizes é não repousar.
Afinal, a nossa infelicidade pode estribar aqui: não sabemos estar tranquilamente sentados, entre amigos, sem olhar constantemente para o relógio.
10. Haverá festa mais bela do que esta? Até pode haver um leve rumor musical, a ambientar os espaços e a aquietar o coração.
Não deixemos de andar nem de agir. Mas reaprendamos a olhar, a acolher e — também — a calar!
João António Pinheiro Teixeira