No último dia de 2022, Bento XVI ingressou na eternidade de Deus, naquele mistério pascal que tantas vezes o empolgou a rezar, a refletir, a celebrar, a acolher, a partilhar. Aqueles dias, mais que de luto, foram dias de fé, de agradecimento pelo dom da sua vida, da sua vocação sacerdotal, do seu compromisso com a Igreja, com a Palavra de Deus, que desembocou num serviço humilde na vinha do Senhor, como sacerdote, professor, teólogo, bispo e, finalmente, como Papa!
Muitas pessoas só se tornam boas depois de morrer. Aqueles que privaram de perto com Bento XVI, nas diferentes fases da sua vida, na Alemanha e no Vaticano, em reuniões de trabalho, em momentos de descontração, nas refeições, nas celebrações, puderam testemunhar a vida de um homem de Deus, que respirava fé e sabedoria, e, por conseguinte, um homem simples, afável, próximo, também tímido, cuja imagem pública, preconceituosa, sempre esteve distante da realidade. Quando visitou Portugal, em 2010, muitos mudaram de opinião, também nos meios da comunicação social, percebendo o equívoco em que se tinham deixado enredar.
Logo após a sua morte, o Vaticano anunciou que estava a ultimar um livro de Bento XVI, coligindo os seus pensamentos espirituais. Há muitos textos de Bento XVI disponíveis para leitura, pesquisa, meditação. É possível, contudo, que ao reagrupar alguns dos textos seguindo uma temática específica, ajude a acolher o seu enorme contributo à reflexão teológica, espiritual, moral, cultural, eclesial. É uma bagagem de um dos maiores sábios do nosso tempo que vale a pena mastigar, reler em pedaços, em textos completos, ou coletâneas. Contrariamente a alguma ignorância preconceituosa, é muito fácil ler Bento XVI, pois consegue conjugar a profundidade com a simplicidade, com o recurso a imagens, histórias, situações reais… Há autores que temos de estar focados a 200% para entendermos algum sentido nas suas frases ou na mensagem de fundo; há autores que temos necessidade de voltar atrás no texto uma ou outra vez; há autores que, tal a densidade, que desistimos nos primeiros parágrafos ou nas primeiras páginas, e depois há autores como Bento XVI que adapta a linguagem ao público a que se dirige ou às circunstâncias em que se encontra, comunicando com facilidade, fazendo-se entender por todos ou, pelo menos, por quem tem os ouvidos atentos, ou melhor, o coração desperto e disponível.
O Papa Francisco prefacia esta obra. A abrir, diz-nos o santo Padre: “Fico contente por o leitor poder ter nas mãos este texto de pensamentos espirituais do saudoso Papa Bento XVI… Sim, Deus é sempre novo porque Ele é fonte e razão de beleza, de graça e de verdade. Deus nunca se repete, Deus surpreende-nos, Deus traz-nos novidade… Bento XVI fazia teologia de joelhos. Completava o seu argumentário de fé com a devoção do homem que se abandonou totalmente a Deus e que, guiado pelo Espírito Santo, procurava compreender cada vez melhor o mistério daquele Jesus que o fascinava desde muito novo. A coletânea de pensamentos espirituais apresentada nestas páginas mostra a capacidade criativa de Bento XVI para questionar os vários aspetos do cristianismo com uma fecundidade de imagens, de linguagem e de perspetiva que se transformam num estímulo contínuo para cultivarmos o dom precioso de acolher Deus nas nossas vidas”.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/21, n.º 4701, 12 de abril de 2023