No cenário da Última Ceia, definitiva e antecipadora do mistério pascal, Jesus declara aos discípulos a sua tristeza, porque vai partir; a sua confiança, porque sabe que assim tem de ser para cumprir, levando-o à plenitude o mistério de entrega, de amor e a sua esperança, sabendo que, na dureza dos momentos que estão a chegar, o Pai não Lhe faltará com o Seu Espírito. Por outro lado, o receio que os Seus discípulos possam perder-se no meio das trevas, da perseguição e dispersem perante o desenlace da Sua vida!
A Última Ceia, a ceia pascal, é um momento intenso! Percebe-se um clima denso, as forças do mal tornaram-se mais visíveis nos últimos tempos, a maledicência, os boatos, as armadilhas, as ameaças, tudo aponta para um desfecho violento. Jesus tem consciência do que vem pela frente e não o esconde aos Seus discípulos, mas, por outro lado, para precaver males maiores e definitivos, prepara-os. Já os tinha prevenido, mas agora fá-lo de uma forma ainda mais clara. O filho do Homem vai ser entregue, vai ser condenado e morto. Três dias depois, ressuscitará. Jesus antecipa o mistério pascal, e ilustra, nas palavras e nos gestos, na oração e na bênção, o que significa a entrega do Seu corpo, da Sua vida. Não será o final, antes consumação da Sua vida feita oblação, para nos fazer aceder à vida em Deus, em plenitude.
Entrámos na Quaresma, tempo que nos prepara para a celebração festiva e anual da Páscoa da ressurreição, ainda que seja Páscoa em cada Eucaristia. Por ação do Espírito Santo, na Igreja, na comunidade reunida, Jesus é nosso contemporâneo. Nos sacramentos, especialmente na Eucaristia, Jesus está no meio de nós, a rezar connosco, em adoração de louvor, de ação de graças e de bênção.
Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa! (“Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum antequam patiar” – Lc 22, 15). Desejo ardente de Jesus, confessado aos Seus discípulos, a quem diz que que a tristeza que se avizinha não se compara à alegria do Seu regresso, e ao vinho novo que beberá, com eles, na casa paterna.
“Desejei ardentemente” (desiderio desideravi)… é também o título de uma Carta Apostólica, do Papa Francisco, sobre a formação litúrgica do povo de Deus, publicada a 29 de junho de 2022. Nestas reflexões, que não são um tratado sobre liturgia, o santo Padre sublinha como a Liturgia é essencial e decisiva na vida dos cristãos e como forma verdadeiras comunidades eclesiais, reunidas pela mesma fé, pelo mesmo Espírito, para acolherem o mistério da Encarnação, Jesus no meio de nós. “Com este escrito quero, simplesmente, oferecer alguns pontos de reflexão para contemplar a beleza e a verdade do celebrar cristão”.
A Liturgia é um lugar privilegiado de encontro com o Senhor Jesus. Refira-se, desde já, que não é um encontro meramente espiritual, mas um encontro transformador, que nos compromete em alargar o convite a outros, pelas palavras, gestos e obras. “A Liturgia garante-nos a possibilidade desse encontro. Não nos basta ter uma vaga recordação da última Ceia: nós precisamos de estar presentes nessa Ceia, de poder ouvir a sua voz, de comer o seu Corpo e beber o seu Sangue: precisamos d’Ele. Na Eucaristia e em todos os sacramentos é-nos garantida a possibilidade de encontrar o Senhor Jesus e de ser alcançados pela potência da sua Páscoa”.
Deixemos que Ele nos alcance no nosso caminho!
Pe. Manuel, in Voz de Lamego, ano 93/15, n.º 4695, 1 de março de 2023