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Desejar ser quem não somos

Desejar ser como alguém não tem de ter caracter negativo, não significa que não gostamos do que somos. Olhar e querer ser alguém que consideramos um exemplo a seguir é benéfico no planeamento dos nossos objetivos de vida. Diz-nos que é possível chegar onde queremos através do trabalho e esforço, porque também alguém o conseguiu.

Olhar para o outro não significa obrigatoriamente inveja, pode significar admiração e agradecimento.

No entanto, existem momentos em que desejamos trocar de lugar com o outro por razões menos boas, mais sofredoras e solitárias, mas que representam um amor incalculável.

«A pior parte de se ser mãe, a constatação de que por muito que uma pessoa tente, por muito que faça, por muito que se esforce, é impossível garantir a felicidade dos nossos filhos. Não se pode protegê-los da tristeza.» Nem da dor, nem da desilusão, de toda e qualquer dificuldade.

Mais tarde, quando já somos pais e descobrimos a força hercúlea que os nossos tiveram durante toda a vida para que nada nos faltasse, abrimos os olhos, e descobrimos que queríamos ter sido outros filhos, mais amorosos e atentos. Tentamos compensar mais tarde, quando a maioria da vida já vai lá atrás, desejamos estar no lugar deles, solitários e doentes, para lhes devolver, ainda que por breves instantes, a bênção da juventude e da saúde.

Um dos piores sentimentos talvez seja o de desejar partir para junto do Pai em vez do nosso ente querido que chegou à vida eterna. Fugir desta mágoa que nos preenche o peito e deixa completamente perdidos e desorientados, trocar tudo o que temos para ir, para não ter de passar pelo sentimento de perda.

Mas somos o que somos. Resta-nos acreditar em Deus e ouvir as Suas palavras repletas de sabedoria para que consigamos, sempre, ultrapassar as dificuldades com fé e esperança, lutar pelos outros antes que seja tarde demais, proteger e educar o mais possível os nossos filhos para a vida. Apenas podemos ser o que, quando e como nos é possível. Por muito que o desejássemos não conseguimos vestir a pele de ninguém, mas conseguimos estar junto deles quando precisarem de nós, podemos colocar os nossos entes queridos, e os mais necessitados, no topo das nossas prioridades, podemos e devemos estar atentos ao que nos rodeia. Todos temos um papel na nossa vida, neste mundo, resta-nos desempenhá-lo com a maior entrega e paixão possível.


Raquel Assis¸ in Voz de Lamego, ano 94/04, n.º 4732, de 29 de novembro de 2023.

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