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Editorial: Da Rússia (2018) ao Qatar (2022)

Começou, no último domingo, o Campeonato do Mundo de Futebol, envolto em polémica. O país organizador, escolhido pela FIFA, em 2010, tem em pouca consideração os Direitos Humanos.

Não estando em causa a crítica explícita a países, melhor, a líderes políticos que governam esses países e que não cumprem os direitos humanos fundamentais, esta é uma oportunidade que se nos oferece para colocar em evidência o capitalismo selvático e a economia que prevalece e comanda a política. O poder económico abafa o cumprimento de direitos essenciais se estes colidem com interesses corporativos.

Esta é uma oportunidade para também nós, como portugueses e europeus, olharmos e refletirmos sobre as condições de trabalho de tantos concidadãos. Ainda há trabalho escravo ou muito perto disso, além de condições miseráveis, sem segurança nem higiene, dignas de seres humanos. Mas podemos igualmente refletir sobre trabalho precário, incerto; sobre diferenças salariais entre homens e mulheres; a remuneração abaixo de salários mínimos e sem descontos! Oportunidade para refletirmos sobre as condições de trabalho em que se encontram muitos estrangeiros! Há imigrantes que vivem em condições sub-humanas, em casas sem luz nem água, nem divisões. Como também há portugueses em países industrializados a viverem em situações degradantes.

“Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua vista? Como ousas dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o argueiro da tua vista’, tendo tu uma trave na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista, e então verás melhor para tirar o argueiro da vista do teu irmão” (Mt 7, 3-5).

Deve o Presidente da República ir ao Qatar ver jogos da seleção nacional?

Claro que sim. Sem “mas”! E o Primeiro-ministro e o Presidente da Assembleia da República.

A Federação Russa invadiu e anexou a Crimeia, em 2014. Em 2018, coube-lhe a organização do campeonato do mundo! Alguém se pronunciou, então, sobre os Direitos Humanos? Será que a Rússia cumpria mais direitos do que o Qatar? E como é que chefes de estado se deslocaram à Rússia? Além disso, os nossos países democráticos recebem chefes de estado de países totalitários!

A China organizou os Jogos Olímpicos! Quantos se manifestaram contra? Será que na China se respeitam mais direitos humanos do que no Qatar? E como é que governantes de topo da China são recebidos com honras de estado em Portugal e noutros países ocidentais? Se é extremismo… tanto vale de esquerda como de direita!

E como é que países ditatoriais têm seleções ou atletas a competir em torneios internacionais? China, Coreia do Norte, Venezuela, Cuba, Egito, Irão? E os negócios com o Qatar? O petróleo ou a dívida soberana?

O hino nacional vai ser tocado/entoado no Qatar! A bandeira portuguesa vai ser hasteada nos estádios! Se a bandeira e o hino, símbolos maiores do país, estão no Qatar, porque não os seus representantes máximos? Se é uma questão de princípio, então a equipa portuguesa não devia participar neste torneio! Apoiando a nossa seleção estaremos com isso a apoiar a violação dos direitos humanos? Se assim é, não podemos ver os jogos, até porque a sua transmissão foi paga com os nossos impostos! Os patrocinadores deveriam também retirar o apoio.

A nossa seleção está no Qatar! Apoiar cá ou apoiar lá fará assim tanta diferença?


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/03, n.º 4682, 22 de novembro de 2022

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