HomeCrónicasCPCJ – Imparcialidade, equidade, reserva de processos
CrónicasPessoas

CPCJ – Imparcialidade, equidade, reserva de processos

Desde 2014 que exerço funções na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lamego, e desde aí, que muito ouço falar do tanto que se especula acerca do funcionamento das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), das competências dos seus membros, bem como da forma como outras entidades poderiam influenciar ou influenciam, os procedimentos internos e a constituição das Comissões.

Ora, não me cabe a mim comentar o que aconteceu nos interregnos das sucessivas transformações que a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) sofreu, bem como o que o que poderia influenciar nos primórdios dada a falta de conhecimento do trabalho que de facto deve ser prestado pelas CPCJ’s. Já da atualidade, falo com conhecimento de causa, pois já há alguns anos que trabalho e me dedico a esta tão nobre instituição.

As CPCJ’s são organizações não governamentais, que funcionam com autonomia e imparcialidade, contudo, dependem dos Municípios no que respeita ao apoio logístico e administrativo.

Tendo o Município aceite a instalação de uma CPCJ no concelho, e de acordo com o protocolo subscrito pelo representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses, em 2017, “compete à Câmara Municipal o apoio técnico – administrativo e logístico, previsto em legislação especial”, sendo que cabe a ele a cedência de instalações adequadas ao funcionamento da CPCJ, o apoio logístico e a cedência de funcionário para apoio administrativo, atribuído ao período de funcionamento da CPCJ, das 9 horas às 17:30 horas.

Os Municípios acolhem o funcionamento das CPCJ’s nos seus concelhos, por forma a assegurar a proteção das crianças e jovens por uma entidade de segunda linha, e a CNPDPCJ contribui mensalmente com uma verba para que os municípios assegurem as condições das mesmas.

Contudo, nenhuma entidade interfere, influencia, ou sequer tem conhecimento do acompanhamento dos processos de promoção e proteção efetivado pela CPCJ, bem como das pessoas que ali são intervenientes, com exceção da Sra. Procuradora, Interlocutora da CPCJ no Ministério Publico.

COMISSÁRIOS

Conforme já referido, as CPCJ’s, trabalham em duas modalidades distintas, nomeadamente a modalidade restrita e a modalidade alargada.

No âmbito do artigo 17º da LPCJP, a modalidade alargada é composta por representantes de várias entidades, que para além de terem como atribuição desenvolver ações conforme o nº1 do artigo 18º, também deliberam em sede de reunião ações como, integração e eleição de novos elementos, recomendações a entidades parceiras, etc. As deliberações são vinculativas e de execução obrigatória, conforme o artigo 28º.

É também em sede de reunião da modalidade alargada que é deliberada a cooptação de membros para a modalidade restrita, cabendo aos elementos da modalidade restrita transmitir em reunião da modalidade alargada as necessidades da CPCJ, e deliberar qual o elemento mais adequado a integrar a CPCJ, excluindo os cinco de representação obrigatória (município, saúde, educação, segurança social e IPSS), que são designados pela respetiva entidade para prestar serviço à CPCJ, em horários a definir pela própria.

Os elementos cooptados não usufruem de qualquer tipo de remuneração, ainda que ocupem o cargo de Presidente ou secretário da CPCJ.

Verificada a necessidade de assegurar os trabalhos na modalidade restrita, por falta de recursos humanos, pode ainda deliberar a Comissão pela necessidade de solicitar elementos de apoio técnico às entidades representadas, no âmbito do artigo 20º.

Para as funções a executar na modalidade restrita, os comissários são licenciados em áreas de interesse aos trabalhos da CPCJ, em conformidade com a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, e com orientações emanadas pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ). De acordo com as orientações da CNPDPCJ, deve observar-se ainda o princípio da equidade junto, sendo que a CPCJ deverá ser constituída apenas por um elemento de cada instituição, por forma a existir equilíbrio entre os membros/ representatividade das instituições da comunidade, ressalvando um princípio fundamental.

RESERVA DE PROCESSOS

O sigilo profissional é um dos princípios basilares de quem trabalha na CPCJ, pois todas as crianças têm o direito a ser protegidas, sem que a sua vida privada seja exposta. Por isso, e conforme previsto na LPCJP, o conteúdo dos processos de promoção e proteção é sigiloso, devendo os comissários zelar pela reserva dos processos, limitando-se a prestar o acesso à informação apenas aos intervenientes no próprio processo.

Na minha opinião, o sigilo profissional é das qualidades mais exemplares que um profissional pode deter, seja assistente social, professor, médico, advogado, presidente, etc… cada vez mais, é preciso ser ético, seja qual for a prestação do serviço. Nos serviços prestados, as pessoas depositam em nós confiança, na expetativa de serem ajudadas, confiam-nos a privacidade da sua vida que deve ser preservada, seja sob que circunstância for.  

Mais ainda, numa área tão sensível como esta, que envolve a vida de crianças/jovens e suas famílias.

SERVIÇO PÚBLICO

O trabalho da CPCJ não se coaduna com influências externas, sendo que todos os elementos que atualmente compõem a CPCJ de Lamego trabalham arduamente com o foco na promoção dos direitos das crianças e na prevenção do perigo a que possam estar sujeitas. Para isso, atuam com imparcialidade e independência, preservando a integridade das famílias, reservando os processos, em conformidade com a LPCJP, e com as deliberações da própria CPCJ.

Todas as sinalizações são analisadas em sede de reunião, pelos elementos da modalidade restrita, tal como todas as deliberações que dizem respeito à tramitação dos processos de promoção e proteção, são tomadas pelos elementos que compõem a modalidade restrita, de acordo com a Lei.

Efetuar o acompanhamento de processos de promoção e proteção de crianças e jovens exige muito empenho e dedicação, mas principalmente exige um forte sentido de responsabilidade e resiliência, que não se coaduna com a aceitação de influências externas.

As crianças são o futuro, e cabe a nós intervir sempre que o seu bem-estar esteja a ser comprometido, ou os seus direitos não estejam a ser assegurados.


Milene Geada, in Voz de Lamego, ano 94/32, n.º 4760, de 26 de junho 2024.

Deixe um comentário