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O que fica quando não sobrar nada?!

Perante as inúmeras feridas que o Mundo vai colecionando, nascem-nos perguntas. No lugar do coração que bate, sentimos ter um coração que nos bate. No lugar do coração que responde, temos um coração que pergunta. Uma pergunta no lugar do coração. Um ponto de interrogação no lugar do coração. Talvez fizesse sentido não escrever tantas vezes esta última palavra. Perdeu-se nas nossas tentativas de lhe desenhar significados bonitos e fáceis. Perdeu-se nas inúmeras palavras que lhe dedicamos e dedicámos em vão. Perdeu-se e perdemo-nos.

No lugar do coração, há um túnel interminável cheio de dúvidas e lágrimas. Quem se atrever a percorrer-lhe o caminho deverá munir-se de uma incrível dose de esperança e de fé. Sem essas duas armas, não chegará (sequer) a meio. Acumuladas e amontoadas podem ver-se feridas por sarar. Podem encontrar-se metades de sonhos e esboços de vidas felizes. Depois, um pouco mais à frente, há nomes de muitas pessoas. A dançar à frente de quem caminha e de quem se atreve a (querer) ver. Nomes de quem foi vítima das feridas que quiseram (ou quisemos?!) oferecer ao mundo. Sim. Vítimas da palavra que começa em terror e acaba em ismo. Recuso-me a dizer-lhe o nome. Recuso-me a deixá-la ser, apenas, uma palavra.

(voltemos ao caminho)

No lugar do coração, há um túnel interminável de possibilidades. Quem se atrever a percorrer-lhe o caminho deverá munir-se de paciência e coragem. Sem essas duas asas, não chegará (sequer) a meio. Acumuladas e amontoadas podem ver-se possibilidades. A possibilidade de ter vivido. A possibilidade de ter escapado. A possibilidade de ter fugido mais depressa. A possibilidade do acaso. A possibilidade da decisão à última da hora. A possibilidade de ter seguido um caminho diferente.

Chega. Chega de possibilidades. De feridas que dançam sempre à volta de quem não faz mal a ninguém. Chega de atribuir cada dia ao acaso ou à sorte. Chega de colocar a cabeça para baixo porque Manchester, Paris, Estados Unidos, Síria, Coreia são lugares lá muito longe de nossa casa. Chega de não perceber que o mundo é a nossa casa. Chega de gastar os assuntos das notícias e não fazer absolutamente nada. Não fazer nada também é ter culpa. Não fazer nada também é permitir.

No lugar do coração, há um túnel interminável que vai dar ao mar. Quem se atreve a fazer o caminho, é muito bem capaz de lá chegar. E fazer valer tudo a pena.

Ainda é cedo para desistir. Para não acreditar que é preciso dar respostas ao coração.

E quando não sobrar nada, desistimos?

E quando não sobrar nada, o que fica?

A resposta chega bem para as duas perguntas. Não desistimos porque quando não sobrar nada… há de ficar a esperança.

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Marta Arrais, in Voz de Lamego, ano 92/40, n.º 4671, 31 de agosto de 2022

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